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Nina Lemos

Morrissey lança disco novo: o que fazer quando seu ídolo vira um babaca?

Nina Lemos

24/05/2019 04h00

"Os chineses são uma sub-raça"

"O que as mulheres entendem como estupro muitas vezes foi uma forma patética de cortejo"

Quem falou isso não foi um maluco da internet que espalha ódio e fake news. Mas meu (ex) mito particular: Morrissey, que completou 60 anos e lança um disco novo nessa sexta (24), "California Son".

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A data não tem deixado nós, fãs, eufóricos, pelo contrário. Afinal, nosso ídolo virou uma pessoa asquerosa, que sai por aí falando mal de imigrantes e de quem denuncia abuso sexual.

Ontem, foi noticiado que o dono da loja de discos mais antiga do mundo, na Inglaterra, anunciou que não vendem mais discos do Morrissey por ele ter virado a pessoa que virou. "Meu único arrependimento é não ter feito isso antes."As ideias de Morrissey já deixaram de ser controversas para serem graves mesmo.

Em 2017, ele deu uma entrevista para o "Der Spiegel", o respeitado semanário alemão, onde culpabilizou vítimas por casos de estupro e assédio. Citando Kevin Spacey e Harvey Weinstein, acusados na época, ele disse que os dois estavam sofrendo uma "caça as bruxas". "Se tudo deu certo e isso (o assédio) deu a elas (vítimas) uma ótima carreira, elas não falariam sobre isso."

Ele disse também que se alguém entra no quarto de alguém é porque "sabe que algo vai acontecer". E que muitas vezes o que as mulheres entendem como estupro foi apenas uma tentativa de cortejo. Na mesma entrevista, ele disse que Berlim era a capital do estupro por causa da presença de refugiados na cidade.

Semana passada, Morrissey aprontou mais uma. Apareceu em um programa de TV usando um broche do partido For Britain, que é conhecido por ser ultranacionalista e contra imigrantes.

E atenção, não é sobre um partido político. É sobre uma ideologia e frases más, contra os direitos humanos básicos. E eu sou, ou era, fã dessa pessoa horrível há mais de 30 anos.

Tudo começou em 86, quando ganhei aquele disco de capa azul, o "Hatful of Hollow". Por Morrissey fui até a Argentina ver um show. Tenho uma fronha escrito "essa noite eu sonhei que alguém me amava", com seu rosto (eu juro).

Quando ele fez show em São Paulo, eu e meus amigos assistimos soluçando. Claro, fui ver no Rio também. Chorei de novo. E fui, há dois anos, assistir ao Morrissey em Berlim com meu amigo Helio Flanders (tão fanático como eu, que aproveitou e comprou umas cinco camisetas).

A rainha está morta

Desisti do Morrissey na época da entrevista do "Der Spiegel" (eu e a maioria dos fãs que conheço, são muitos). Aquilo ali já era demais.

Chega! Não passarão! Eu não dou mole para fascista e machista! Não vou mais ouvir… Opa… impossível… corta para a maioria de nós ouvindo Morrissey escondidos de nós mesmos em casa, porque não dá para simplesmente parar de gostar daquilo que você amou a vida inteira.

Melhor encarar com bom humor.

Comentei hoje o fato de que vamos gostar do disco (afinal, ele gravou covers de artistas como Bob Dylan e Roy Orbinson). E uma coisa que ele é, é um grande cantor: "o maior", como diz meu amigo DJ Zé Pedro.

Certamente, nós, fãs desapontados, vamos gostar do disco. E vamos ouvir no repeat músicas de um cara que achamos um babaca.

Artista x Obra

Durante minha crise Morrissey, levei bronca de alguns amigos. Como assim? Como eu poderia deixar de gostar da música porque o cara era um idiota? Uma coisa está separada da outra e não se deve misturar! Concordo, claro. Óbvio. Mas não é tão fácil assim quando você ACREDITAVA naquela pessoa.

Adolescente? Ingênua? Claro. Mas que fique claro, eu era fanática. Sim, os fãs são ridículos. E não seriam ridículos se não fossem fãs (adaptando outro ídolo, Fernando Pessoa, que, como morreu faz muito tempo, nunca me decepcionou).

Tudo fica mais fácil quando você gosta sem idolatria. Aí, sim, dá para ser adulto e separar a pessoa da obra numa boa.

Eu não vou deixar, por exemplo, de adorar os filmes do Woody Allen porque ele tem acusações de pedofilia e casou com a filha adotiva de sua ex. Isso porque, Woody Allen sempre foi um cineasta que eu gosto. Mas nunca foi um ÍDOLO, UM DEUS!

Alguns dos meus escritores preferidos são acusados de misoginia. Sem problemas.

O problema é que Morrissey era MEU ÍDOLO. Sim, idolatrar pessoas não é sábio e é infantil. Mas quem nunca foi fã?

Eu era fã de um babaca. E, como a maioria dos seus fãs pelo mundo (grande parte da minha geração), vou fazer o seguinte hoje: ouvir o disco escondida. Como ele mesmo diz na música "Everyday is like Sunday": venha, venha Bomba Nuclear!

E aff, acabei de citar o Morrissey, um babaca. Mas… "a vida é uma chiqueiro". Pronto, citei de novo.

 

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.