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Nina Lemos

MC Reaça: o ódio às mulheres que acaba vitimando o próprio odiador

Nina Lemos

04/06/2019 04h00

Trecho do video "Olha a opressão"/ Reprodução

"Para a CUT, pão com mortadela, para as feministas, ração na tigela. As minas de direita são top, enquanto as de esquerda têm mais pelo que cadela."

Esse é um trecho "Proibidão do Bolsonaro", o maior "hit" de Tales Volpi, conhecido como MC Reaça, que morreu ontem de maneira trágica. O cantor, de 25 anos, teria se suicidado após ter espancado a amante. A moça está internada com sérias lesões no maxilar — ela será operada.

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Tales fazia paródia de músicas, a maioria delas, com menção de ódio a mulheres, especialmente feministas.

"Essa menina é feminista, essa menina é terrorista, provoca a polícia na Avenida Paulista", ele canta em outra música, chamada  "Olha a opressão." No vídeo, uma menina de piercing e cabelo rosa aparece batendo nos homens. O estereótipo é esso mesmo: loucas! Odeiam todos os homens! Tatuadas! Com piercing!

Esses detalhes estéticos pareciam incomodar bastante o MC, que tinha uma espécie de obsessão pela falta de depilação nas mulheres.

"Ela não quer saber de depilação, tem o suvaco peludo igual a um machão", ele canta.

Carta de repúdio

As músicas de Tales já chegaram a ser alvo de protestos da OAB e do MP de Pernambuco, que repudiaram a música que homenageia o presidente, tocada na Marcha da Família em setembro de 2018. A carta da OAB diz: "os estarrecedores trechos da música reduzem as mulheres à condição análoga a de seres irracionais e incitam o ódio, a violência e o preconceito contra aquelas que se reconhecem feministas e/ou que têm orientação política diversa do aludido candidato", dizia o documento na época.

A mesma música cita também pejorativamente, Maria do Rosário, Jandira Feghalli e Jean Wyllys.

Tales fazia parte de uma corrente de homens que odeia "feministas" como se fossemos animais de uma espécie do mal: monstros malignos, "uma raça" que não presta e merece ser odiada ("taca pedra na Geni!").

Não é preciso ser psicanalista para entender o óbvio, as feministas são odiadas porque colocam em ameaça tudo aquilo que eles têm como certo. "Elas não sabem lavar uma panela". "Não servem para casamento". E, claro, podem levar as moças boas e limpinhas para o mal caminho.

Tales teve um fim trágico, que não pode e não deve ser comemorado. É muito triste que um jovem de 26 anos morra — aparentemente ele se matou. É triste também que isso tenha acontecido depois de um caso de agressão contra uma mulher grávida, como dizem as investigações.

É tudo muito, muito triste. E também um alerta de que o ódio às mulheres pode ser perigoso até para o próprio odiador, que, de tanta raiva, uma hora pode "fazer uma bobagem", ou seja, praticar um crime, perder todos os limites. No caso de Tales, depois do crime, ele se matou. Caso comum em muitos casos de feminicídio: os assassinos se matam depois de matarem a parceira.

Em uma gravação enviada à mulher antes de cometer suicídio,  Tales pede que a esposa oficial cuide da criança. "Se a fulana não perder o bebê." Ou seja, é uma masculinidade tóxica do início ao fim, que de tão tóxica, acabou matando o próprio cantor.

É triste de verdade. E para lembrar, esse é um evento corriqueiro em no Brasil, país onde, segundo levantamento do Datafolha, mais de 500 mulheres são agredidas por hora.

 

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.