Topo

Nina Lemos

Bolsonaro e Maria do Rosário: desculpas protocolares não interessam tanto

Nina Lemos

13/06/2019 20h51

Reprodução

"Jamais iria estuprar você porque você não merece", a frase do então deputado Jair Bolsonaro, dita para a então colega Maria do Rosário é famosa no mundo todo.

Para explicar algumas das opiniões do presidente, os jornais internacionais sempre escrevem: "o presidente, que já disse que uma deputada não merecia ser estuprada e que preferia ter um filho morto a um filho gay."

Veja também

Parece absurdo para o mundo que alguém que disse uma coisa dessas seja presidente de um país tão importante como o Brasil.

O caso aconteceu em 2003, mas não será esquecido (nem no Brasil, nem fora dele). Tanto que Bolsonaro foi processado por Maria do Rosário. A deputada ganhou.

O presidente foi condenado a pagar R$ 10 mil e se retratar. Ele fez o que a lei manda, hoje, no último dia do prazo, o  que já causa a sensação o de que ele fez contra a vontade, como se estivesse, de fato, cumprindo um castigo. Como se a professora mandasse "pedir desculpas para a coleguinha" para não ser expulso da escola.

Sua carta já começa quase com um pedido de desculpas por TER QUE PEDIR DESCULPAS. "Em razão de determinação judicial venho pedir publicamente desculpas pelas minhas falas passadas dirigidas à deputada Federal Maria do Rosário Nunes." Ou seja, ele avisou que estava fazendo isso obrigado. Não por vontade, não de coração. Em seguida, disse que agiu no calor do momento. Mas logo se defendeu. "Após ser injustamente ofendido pela deputada, que me chamou de estuprador, retruquei que ela não merecia ser estuprada."

Em seguida, ele diz que seu governo está comprometido com a causa feminina etc. e finaliza dizendo que respeita todas as mulheres. Esperamos, sinceramente, que seja verdade.

Mas, falar que se arrependeu? Não disse. Que foi para o cantinho pensar e viu que tinha falado uma coisa absurda, que não deveria nem passar pela cabeça de alguém? Não disse.

O presidente esqueceu de falar o óbvio, que o estupro não é um "presente" para alguém merecer, mas um crime. Estupro não é algo que alguém "mereça", como uma coisa boa. Contrário, ninguém PODE ser estuprada porque esse é um crime terrível, que deixa marcas eternas nas mulheres que passaram por esse trauma. Fim.

A publicação da carta foi comemorada por mulheres na Internet como uma vitória. Acho que vale, sim, comemorar, mas o que celebramos é apenas o cumprimento da Lei.

O que a gente queria mesmo é que o presidente pensasse no que disse, refletisse, falasse que tinha errado pesado, que isso não aconteceria de novo etc. Não aconteceu. Seria esperar demais? A esperança é a última que morre. Por isso, esperamos que o presidente pense de verdade no que fez e peça desculpas sinceras um dia.

Desculpa porque foi obrigado? Desculpa tentando  justificar ao que é injustificável? Não é o que nós, mulheres que nos sentimos agredidas pela frase, esperamos.

Aguardemos. Quem sabe um dia?

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.