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Nina Lemos

"Passei três anos sonhando com Aécio, Temer e Dilma", diz Petra Costa

Universa

28/06/2019 04h00

Diego Bresani/Divulgação

A cineasta Petra Costa, 35, é uma das mulheres mais comentadas do momento. O motivo: seu filme, "Democracia em Vertigem", que estreou na Netflix na semana passada em 190 países e já é considerado pelo New York Times um dos melhores filmes do ano. O documentário, que desperta paixões (tem quem chore, quem passe mal e quem deteste), narra os últimos três anos da história política do Brasil. Estão ali as primeiras manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff, a prisão do ex-presidente Lula, a eleição de Jair Bolsonaro. Tudo isso é narrado em primeira pessoa e de um ponto de vista extremamente pessoal.

Isso tem feito com que o filme seja amado e odiado. Alguns dizem que é parcial, outros que é classista e até o tom de voz de Petra entrou no debate. Petra assume tudo isso. E sabe que é privilegiada, sim: seu avô, Gabriel Donato de Andrade, é um dos fundadores da multinacional Andrade Gutierrez. Seus pais, Manoel Costa e Marilia Andrade, foram militantes de esquerda na época da ditadura militar. Sua mãe chegou a ser presa no mesmo presídio que Dilma.

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Para fazer o filme, Petra passou três anos imersa no universo do caos político que tomou conta do Brasil nos últimos anos. "Eu parei de ter subjetividade, passei três anos sonhando com Aécio, Temer, Dilma", ela conta. Leia abaixo trechos da entrevista que ela concedeu ao blog.

Você lançou o filme em um momento de muita paixão e polarização política. Não ficou com medo?

Não. Eu estava principalmente interessada em resgatar o diálogo. E tenho tido ótimas respostas. Tenho, inclusive, pessoas da minha família que votaram no Bolsonaro e gostaram do filme, se sentiram tocados pela narrativa. Tenho tido respostas boas dos dois lados dessa polarização. Espero que o filme consiga furar a bolha e que as pessoas consigam conversar e refletir, porque é essa polarização que mata a democracia.

Ver o filme é muito difícil para muitas pessoas. Realizar também não deve ter sido fácil. Que parte da história foi mais complicada para você?

Acho que o começo da montagem, quando mostro as manifestações onde as pessoas pedem a volta da ditadura militar. Era um momento de muito ódio. E as pessoas não conseguiam ver a dimensão da gravidade daquilo.

Você é filha de pais militantes que foram presos na ditadura militar. Isso mexeu com você?

Sim, era como se as pessoas estivessem dizendo: "Que pena que seus pais não morreram. Seus pais não deveriam estar vivos." Foi horrível. Principalmente porque muita gente não conseguia entender o quanto aquilo era sério, que as pessoas realmente não acreditavam mais na democracia. Um dos pontos mais tristes dessa polarização política é que as pessoas não se enxergam. Fica cada um no seu canto. Fica todo mundo sem diálogo, bloqueando as pessoas no Facebook e perdendo a oportunidade de conversar.

Como acompanhar todos esses acontecimentos te afetou psicologicamente? 

Meus sonhos pararam de ter subjetividade. Eu só sonhava com Aécio, Dilma, Temer, com o Trump. Até a minha feição foi mudando. Tinha dia que eu me olhava no espelho e pensava: "Gente, eu não consigo mais sorrir".

Você conseguiu ficar dentro desse ambiente político, com tanto ódio envolvido, sem adoecer?

Fiquei três meses acordando com vontade de vomitar. Fui ao médico e perguntava "o que está acontecendo comigo?". Fiquei literalmente enjoada por três meses.

As pessoas têm criticado a sua voz narrando o documentário. O que você acha disso?

Ah, o que falam da minha voz mesmo? Que é lamentosa e chata, né? Mas narração é uma coisa difícil, mesmo… Já criticaram o Selton Mello e o Walter Salles por causa disso também. Eu entendo. Cada um tem sua sensibilidade com vozes. Tem vozes que eu, por exemplo, não gosto. Eu entendo as críticas e respeito.

E a crítica de que você tem a visão de uma privilegiada, por ser de uma família rica?

Eu acho que eu sou de fato privilegiada. Eu exponho isso no filme! Eu sou privilegiada por ser branca. Sou privilegiada por ser da família que eu sou. Especialmente em um país tão desigual. Mas eu espero usar minha posição para combater esse privilégio e essas desigualdades até onde der.

E o seu avô viu o filme?

Viu e gostou. Mas ele está com uma memória curta. Ele, às vezes, se emocionava, mas perdia outras coisas. Mas acho que ele gostou, sim.

Você conseguiu colocar seu filme na Netlflix em 190 países. Você esperava que isso poderia acontecer?

Era um sonho. Era a coisa que a gente mais queria. Justamente para colocar o filme acessível para todo mundo. Ter o filme em 190 países é maravilhoso. A gente mandou o teaser do filme e eles imediatamente quiseram, o que foi surpreendente. E foi revolucionário. Muitas pessoas assistiram ao filme no mesmo dia que ele foi lançado. Ficou esperando. Foi um tsunami.

Você começou o filme sem saber o que ia acontecer. Como você conseguiu, por exemplo, estar em São Bernardo quando o Lula foi preso?

Foi uma loucura. Eu estava no aeroporto indo para o Rio de Janeiro onde ía justamente ter uma reunião com o cara da Netflix. De repente, pisca na tela do meu celular o alerta do UOL: "Moro decreta prisão imediata de Lula". Saí correndo para São Bernardo, sem equipamento, sem nada. Depois, minha assistente conseguiu chegar com os equipamentos. Foram os dias mais cinematográficos e loucos da minha vida. Três dias como se estivesse em um bunker. E todo mundo gritava: "A polícia vai chegar!", "Estão cercando!", "Ele vai se entregar". Foi muito maluco.

Uma das críticas é que o documentário é parcial. Você acha que é possível fazer um documentário totalmente imparcial?

Não. Acho que não tem livro, filme, matéria ou história que seja imparcial. Acho que o mais honesto que a gente pode fazer é deixar claro que estamos expondo o nosso ponto de vista. Mas acho uma pena que a discussão fique entre e esquerda e direita, acho muito simplista. Falam que eu coloco o Lula e a Dilma como vítimas etc. Mas eu acho que eu mostrei, sim, as falhas dos dois. E tenho outras inúmeras, como não ter dado grande atenção ao meio ambiente, a falta de um projeto de educação mais forte e de confrontar questões que perpetuam as desigualdades. Muitas criticas. Mas acho essa discussão de quem é vitima e quem não é vitima muito pobre. O filme não é sobre um partido político. É sobre a minha relação com a democracia.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.