Topo

Nina Lemos

Enquanto jogadores de futebol vão a festas, elas tentam mudar o mundo

Nina Lemos

12/07/2019 04h00

USA Today Sports

Lutas pela diversidade, pela igualdade de pagamento entre homens e mulheres (não só no esporte), contra o racismo e  pela aceitação de todas as orientações sexuais. As mulheres jogadoras mais importantes do futebol mundial estão, desde a Copa, dando aulas e mais aulas de engajamento, compromisso social e, com sangues nos olhos, parecem querer mudar o mundo. E até estão conseguindo, pelo menos um pouco. O esporte nunca foi tão reconhecido. Mas elas parecem querer mais.

As moças não estão apenas indo a festas glamourosas ostentando roupas de grife e agradecendo a Deus, como costuma acontecer com os famosos e milionários jogadores masculinos. Muito pelo contrário. 

Veja também

 Na quarta-feira, quando a Seleção Americana de Futebol, a campeã, foi homenageada em uma parada em Nova York, a festa virou uma comemoração política (e não estou falando de partidos, mas daquela política no dia-a-dia para melhorar o mundo que todos nós podemos fazer).

Lideradas pela artilheira Megan Rapinoe, de 34 anos, elas carregavam no carro da parada uma faixa que dizia: "ganhar a Copa é ótimo, mas ganhar o mesmo é melhor". Sim, elas se referiam à campanha que encabeçam, pelo pagamento igual entre homens e mulheres. E não, elas não estão falando só do esporte. O movimento foi tão grande que foi noticiada ali, na parada, uma lei que obriga homens e mulheres a ganhar o mesmo no estado de Nova York. Ou seja, elas não só estão tentando mudar coisas. Algumas, elas já estão conseguindo  mudar.

Durante a festa, Megan, a artilheira, fez um forte discurso contra o ódio e pela diversidade, uma luta que, para ela, pertence a todos: "Nós temos cabelos rosas e cabelos lilás, temos tatuagens e dreadlocks. Temos garotas negras e garotas brancas. Garotas hétero e garotas lésbicas." E não, ela não estava falando apenas do time, mas do mundo.

A artilheira, militante pelos direitos humanos e pela diversidade, avisou que, se tem uma voz, vai usá-la para falar sobre injustiça. Quando convidada a ir na Casa Branca, ela disse que não. Não queria encontrar Donald Trump, conhecido, entre outras coisas, por seus comentários racistas e misóginos. "Ele não gosta de pessoas como eu", respondeu. 

 Megan e suas companheiras viraram símbolo de luta pela igualdade de pagamento entre homens e mulheres. A luta delas proporcionou cenas inacreditáveis, como, em pleno final de Copa do Mundo, parte de uma arquibancada gritando: "pagamentos iguais, pagamentos iguais", ao invés do "é campeão, é campeão!"

A luta não é exclusividade das americanas. Ao sair da Copa, nossa artilheira Marta disse, aos prantos: "meninas do Brasil, não parem de sonhar! A gente tem que chorar no começo para sorrir no fim. A gente tem que querer mais, estar pronta, sonhar mais. É isso que eu peço para as mais novas. Valorizem." 

Não foi só nesse momento que Marta mostrou seu idealismo e sua luta. Quando marcou um pênalti contra a Austrália no torneio, ela apontou para as suas chuteiras, que tinham o símbolo da igualdade no esporte, uma das suas maiores bandeiras, bordadas.

Festa e Supreme

Enquanto isso, bem, seus colegas jogadores de seleções masculinas mundo a fora… estão, basicamente, fazendo o que sempre fizeram: agradecendo a Deus (e também o culpando por suas falhas).  E, mais que nunca, nesses tempos em que o futebol é milionário (pelo menos o masculino) ostentando roupas de grifes.

Existem exceções, claro. O jogador argentino Lionel Messi, por exemplo, virou notícia ao abrir duas horas do seu restaurante na Argentina para dar comida, roupa e proteger do frio moradores de rua. Muito bacana. Gol da Argentina. Mas, no geral, no que diz respeito a engajamento, as meninas estão anos à frente.

Por quê? Oras, talvez porque elas estejam cansadas de tantos abusos, de serem ignoradas por tantos anos, da injustiça que é ganhar pouco e não ser verdadeiramente valorizada por um trabalho. E, olha, se você ainda acha que é mimimi, devia ver a força com que essas mulheres mandam os seus recados. Elas não estão para brincadeira. Estão com sangues nos olhos!

Os homens do futebol bem que podiam aprender com elas e usar o nome, a voz e o prestígio para fazer mais do que assinar contratos de publicidades milionários ou posar com roupa da "Supreme". Exemplo para seguir, agora, eles já têm.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.