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Nina Lemos

A Amazônia queima. E nós continuamos brigando nas redes sociais

Nina Lemos

23/08/2019 04h00

Fernando Frasão/Agencia Brasil

A Amazônia está queimando. Sim, é o maior incêndio desde que as queimadas passaram a ser medidas, em 2013. A Nasa alertou para o problema. Há uma fumaça espessa em cima do Brasil.  É fato. E os fatos não se discutem, certo? E a realidade é: estamos diante de uma catástrofe ecológica para o Brasil e para o mundo.

E o que estamos fazendo? Muitos de nós (me incluo) estão desesperados, pedindo por socorro nas redes sociais, pedindo que famosos ajudem a divulgar (e, sim, muitos deles estão divulgando). 

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Mas por quê? Fazer o mundo saber não vai resolver o problema. Uai, mas ajuda, sim. E quando a gente está desesperado a gente grita. Hoje em dia, gritamos em rede social. Isso pode ser ruim (vários especialistas alertam que o excesso de notícias ruins estão nos deixando doentes e o uso intenso das redes pode piorar) mas também é bom: a Amazônia é um problema de todos e um patrimônio da humanidade. O mundo depende dela.  Quanto mais gente souber do que se passa e puder ajudar melhor, certo? Bem, não para todo mundo.

Enquanto muitos pedem ajuda, outros reclamam dos que pedem ajuda. Afinal, "você não está fazendo nada, devia fazer algo ao invés de reclamar na internet". O sommelier de reclamação e tristeza  (a pessoa que reclama de quem reclama) é um dos tipos mais irritantes das redes. Eu sempre me pergunto: o que a pessoa que está reclamando de quem está reclamando está fazendo além de reclamar do outro? Ela está organizando uma passeata, indo salvar bichos na Amazônia, coletando dinheiro para ONGs? Se estiver, tudo bem. Mas sinceramente, duvido.

No Twitter, muitos pedem socorro (e não são somos só nós brasileiros, é gente do mundo todo). Ontem, uma das Tags mais usadas no mundo todo era #prayforamazonia. Meus amigos reclamam que rezar não adianta, que a gente devia tacar fogo em tudo (não na Amazônia mas em outras coisas que não vou dizer quais são :-)). Eu aceito reza, protesto, aceito tudo. E, digo mais. Os jornais estrangeiros estão noticiando que os brasileiros estão gritando por socorro pedindo que rezem pela Amazônia, ou seja, de alguma coisa, está, sim, funcionando.

Marquezini chamada de imunda?

Muitas pessoas famosas, com muitos seguidores nas redes sociais, estão, também, desesperadas e pedindo por socorro. O que é ótimo.  Você não pode negar, o Stories do Instagram, por exemplo, funciona hoje como um veículo de comunicação! Muita gente vê. Que ótimo que pessoas com muitos seguidores estão falando do problema. São pessoas que estão ajudando a espalhar uma tragédia terrível, de consequências que ainda não podemos prever. E estão tendo coragem de se expor. Poderiam estar postando looks do dia, recebidos. Mas estão, parando e tendo o trabalho de denunciar. Palmas.

Mas o que um monte de gente faz com essas pessoas? Xingam! Sim, muita gente xinga meninas (sempre as mais atacadas, porque já sabemos, está provado, mulheres são mais atacadas nas redes) por estarem tentando ajudar a salvar a Floresta Amazônica! 

Espera, esse não é um ponto em que todos concordamos? Não queremos a preservação da natureza, que bichos não morram? E, não, não venham dizer que aquecimento global é mentira. Não vamos dar trela para fake news aqui.

Muitas famosas estão demonstrando preocupação (gracias por fazerem isso), Bruna Marquezine, por exemplo, tem postado várias informações sobre a Amazônia. Sabe o que ela ouviu de um seguidor? "Que ela era uma petista imunda". Bem, a questão aqui não é partidária, como ela mesmo explicou para o hater. Mas como alguém vai até o perfil de uma atriz famosa que está tentando ajudar e a chama de imunda?

Anitta também prestou serviço e deu uma aula sobre Amazônia no seu Stories. Muitos agradeceram. Outros, reagiram com a doença da imobilidade que ainda cobra: "nossa, só está se preocupando com a Amazônia agora?" ou "Até parece que você liga."

Ei, espera. Quem você é para sair cobrando as pessoas assim? E se a pessoa não se interessava pela Amazônia e passou a se interessar agora que estamos vivendo uma catástrofe? Qual o problema? Não vejo nenhum. Entre as outras famosas que se manifestaram estão também Madonna, Camila Pitanga, Sasha, Luan Santana, Luísa Sonza e muitas celebridades internacionais, como Leonardo Di Caprio. 

Sim, o astro  fez uma série de posts sobre o tema. Enquanto muitos brasileiros agradecem pela força, algumas pessoas vão lá e dizem para o ator: "não se meta, a Amazônia é nossa." Ou, "o que você sabe do assunto?". Gente, o nome disso é solidariedade internacional. Que bom que ela existe.

Brigar pra quê?

Eu entendo: na hora de desespero dá vontade de brigar. É uma maneira de botar para fora  a raiva, o choque, o medo. Eu mesmo já tive que me controlar para brigar hoje muitas vezes. E, sim, estamos desesperados. Você imaginaria que a gente estaria um dia tuitando em inglês pedindo socorro para algum país, para o mundo, para que alguém nos salve?

Eu não imaginava, mas chegamos nesse ponto. Somos náufragos gritando SOS com uma bandeirinha. E, mesmo assim, ainda tem quem vá e tente tirar a bandeirinha da sua mão falando: "você só está pedindo ajuda para aparecer". Não é só a Amazônia que está doente.

E enquanto a gente briga e se ofende, o fogo não para. A Amazônia continua a queimar.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.