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Nina Lemos

É obrigatório ser produtivo na quarentena? Não, você pode ser como Caetano

Nina Lemos

14/04/2020 04h00

Reprodução Instagram

"Gente, eu preciso fazer alguma coisa, estou aqui nessa casa." A fala é de Paula Lavigne que protagoniza a lado do marido Caetano Veloso um "reality" da vida real no Instagram. Para quem não viu, a empresária, workaholic, está trancada em casa com músico e Zeca, filho dos dois. Paula quer porque quer que Caetano faça uma live-show, como muitos artistas estão fazendo. Caetano enrola. "Não tô preparado. Não tenho muita certeza…"

A empresária postou uma série de vídeos insistindo. Mas não tem sido fácil convencê-lo. Paula insiste, Caetano enrola. No fim, parece que Caetano, para alegria da Paula e de nós, fãs, vai fazer a  tal live. 

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Muitos de nós se identificam com Caetano. Durante a quarentena (onde não faço mais do que aquilo que sou obrigada, como trabalhar e limpar compras com álcool gel), falo no telefone com amigos espalhados ao redor do mundo em crises variadas. 

Alguns deles sofrem da crise da "obrigação da produtividade na quarentena. "Não estou conseguindo produzir." "Estou com um problema, não consigo focar." Eles se sentem pressionados. Alguém está cobrando isso diretamente deles? Não. Eles estão em casa sozinhos, cobrados pelos seus próprios superegos, que são muito mais insistentes que a Paula Lavigne.

Além da pressão interna, os amigos com "crise de produção" sofrem, também, a externa. Claro, são milhões de matérias, lives, posts, reportagens e coaches falando sobre a importância de ser produtivo, como ter foco. E, lógico, um monte de gente fazendo vídeos e fotos de suas rotinas super produtivas. É como se muitas das pessoas acordassem cedo, assassem o pão, fizessem o café da família. Depois lavassem tudo. E, depois, começassem a criar, fazer lives, projetos, ajudar os filhos com as tarefas, limpassem o guarda roupa, depois fizessem duas "calls" (quando os termos são escritos em inglês parece que as pessoas estão ainda mais ocupadas). Quem aguenta?

E se a gente não conseguir produzir? Qual o problema? Escuta: estamos vivendo a maior crise histórica desde a Segunda Guerra Mundial. Alguém conseguia ser produtivo durante a ocupação alemã na França? Será que, isoladas em abrigos antiaéreos, as pessoas pensavam: "meu Deus, tenho que ser criativo, tenho que produzir!"

Se as pessoas tivessem celular na época, estariam fotografando e fazendo live dos bombardeios? 

Ninguém tem que nada

Nesse momento crítico, cada um sobrevive como pode. Você não tem que ser produtivo. Você só precisa ser produtivo se… isso te ajudar a  ficar bem e te deixar em pé. Se for isso o que te distrai e te impede de ficar mal, maravilhoso. Se você não consegue fazer nada, a não ser ler, ficar deitado, e refletir,  maravilhoso também.

 Nenhuma das duas atitudes está errada.  Entendo quem quer produzir para "não ficar deprimida", como Paula fala em um dos vídeos onde tenta convencer o companheiro a fazer a live. Entendo totalmente (inclusive acho ótimo estar trabalhando durante a quarentena, não só porque preciso pagar boletos, mas também por ter o que fazer, um motivo para acordar). 

Mas também entendo quem não consegue fazer nada. Se você, entre os produtivos e os não produtivos,  faz parte do segundo grupo e se sente oprimido pelo mundo capitalista que parece gritar: "produza! produza!", não se sinta mal. Até para o Caetano, esse gênio, parece que não está sendo fácil.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.