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Nina Lemos

Marmita de sertanejo? Ofensas às mulheres no Brasil ainda surpreendem

Nina Lemos

30/04/2020 04h00

Reprodução Instagram

"Marmita de sertanejo". A gente acha que já aprendeu tudo sobre machismo no Brasil, mas sempre dá para aprender mais. Eu não sabia, (e acho que a maioria das pessoas também não) que existia essa expressão. Fui saber quando a (agora) ex-BBB Rafa Kalimann foi ofendida com esse termo. E, agora, quando fora da casa, ela se defendeu. " A gente levanta uma bandeira contra o machismo e as pessoas aqui fora levantam outra te apontando como 'marmita de sertanejo'. Fico com quem quiser, sou livre", ela disse, quando perguntada sobre os ataques.

Ela disse que não liga. Mas, olha, eu ligo. Acho completamente absurdo que mulheres sejam tratadas dessa maneira em 2020. "Marmita de sertanejo", pelo que entendi, é a expressão usada por alguns para se referir a mulheres que ficam com cantores sertanejos. Eu já conhecia a Maria Gasolina, a Maria Chuteira. Todas expressões criadas para tratar mulheres como se fossemos interesseiras: só quer saber da grana do jogador de futebol, só quer saber de quem tem carro, de dinheiro. 

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Marmita de sertanejo ou mulher marmita conseguem ser pior. No caso, a mulher é tratada mesmo como comida, como uma quentinha, um dellivery. Aquela que passa de mão em mão. Como se mulher não pudesse ficar com quem bem entendesse.

A história de Rafa sendo chamada de "marmita" não é absurda só pela expressão, mas também por outro motivo. Ela foi atacada por duas mulheres:  uma ex "amiga" e sogra de outra participante, Mari. 

Mulheres machistas são uma coisa triste, mas existe aos montes. Essas usam e abusam do machismo para atingir outras mulheres, sem perceber que elas mesmo são vítimas desse esquema. Um dia, a "marmita de sertanejo" é a outra, outro dia pode ser você. A sociedade machista agradece a força dada por essas mulheres que acham ok chamar uma a outra de "marmita" simplesmente porque ela, dona do seu próprio nariz e do seu próprio corpo, ficou com quem quis.

Rafa é "acusada" de ficar com vários cantores sertanejos, como se isso fosse errado. Como se ela não tivesse direito sobre suas escolhas.

A influencer não é boba. Junto com Manu e Thelma, fez parte do grupo de meninas que expulsou os homens machistas da casa. Sua resposta aos ataque:

" Se eu fiquei ou não, com quantas pessoas, estava solteira e fiquei por que quis, me interessei, como qualquer outra mulher. Continuarei ficando se me sentir interessada. Eu me relacionei com vários cantores sertanejos e está tudo bem." 

Rafa (e nenhuma outra mulher) precisa se explicar por causa de suas escolhas afetivas ou sexuais.  Ela fica, sim, com quem bem entender. Problema dela. Agora, ser chamada de "marmita"? Não, isso não pode. Nenhuma mulher é um PF ou uma quentinha. Isso precisa, sim, precisa parar. 

 

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.