Topo

Nina Lemos

Caso PC Siqueira expõe perigos do "tribunal da Internet"

Nina Lemos

15/06/2020 13h51

Reprodução Instagram

Chamar alguém de pedófilo é uma coisa seríssima. Denúncias de abuso sexual de menores devem ser rigorosamente investigadas. No caso de comprovadas, evidentemente, quem praticou tais crimes devem ser punido dentro da lei. Mas quem investiga e lida com essas denúncias? A polícia, certo? Bem, não atualmente, onde denúncias sérias são simplesmente jogadas na internet e… salve-se quem puder!

Estamos, no momento, vendo um exemplo perigoso de como o chamado "Tribunal da Internet" funciona com o caso do youtuber PC Siqueira, acusado de receber imagens impróprias de uma criança.

Veja também

Para quem não sabe: na quinta-feira, um perfil no Twitter publicou um suposto diálogo entre o youtuber e um amigo, no qual PC dizia ter recebido fotos de uma criança nua (mandadas pela própria mãe, terrível). Num primeiro  momento, o youtuber desmentiu. Depois disso, foram divulgados áudios nos quais supostamente ele confirmava a veracidade da história.

No final de semana, PC apagou a tal mensagem em que negava as acusações e, hoje, o youtuber, que sofre de depressão, postou uma mensagem pesada, levando muitas pessoas a cogitarem que ele estava perto de cometer suicídio. 

Tudo errado. Tudo triste e muito perigoso. Repito, denúncias devem ser apuradas. Mas existem profissionais para isso. Ou vamos passar a decidir coisas sérias, como acusação de pedofilia, em um tribunal aberto no Twitter, com cada um dando sua opinião e a sua condenação?

Quem quer fazer uma denúncia dessas, inclusive, tem outros caminhos. O mais comum é procurar a polícia, ou mesmo um advogado para te orientar. De um tempo para cá, muitas denúncias sérias passaram a ser tratadas como "exposed" (exposição) na Internet. Basicamente, joga-se acusações nas redes sociais e depois os usuários passam a fazer um julgamento e decidem uma pena.

No caso de PC, o assunto ficou tão sério que existe uma espécie de torcida para que o youtuber cometa suicídio.

Quantos perigos existem nisso? Esse tipo de torcida, além de moralmente assustadora, pode servir de sério gatilho para quem sofre de depressão e já tentou se matar.

Não por acaso, esse assunto é tratado com máximo cuidado na imprensa. Existem estudos sérios sobre isso, inclusive da Organização Mundial de Saúde. Sair falando o que pensa sobre um tema sério como suicídio, sem pensar nas consequências, é perigoso. Mesmo sem saber, você pode causar sofrimento em outras pessoas.

"Ah, mas a internet não é livre?", perguntam alguns. Sim, mas existe bom senso e responsabilidade pessoal de cada um de nós. E até as redes têm suas políticas de segurança sobre o que pode ser danoso ou não.

No momento, milhares de pessoas no país assistem a esse drama como se fosse uma espécie de reality show ou filme de terror psicológico.

Repito: é claro que PC precisa ser investigado. Mas a gente devia deixar que profissionais trabalhassem nesse caso e parar de assistir a essa história, que é real e envolve vidas, como uma novela macabra. Tratar as coisas desse jeito não faz bem para ninguém.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.