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Nina Lemos

Goleiro Bruno em publi de canil: banalização do feminicídio é inadmissível

Nina Lemos

25/06/2020 11h16

AFP

Se fosse uma piada, ela já seria absurda. O goleiro Bruno, aquele que ficou conhecido no país todo por ser condenado por um crime horrendo, está fazendo publipost no Instagram. Isso, por si só, já seria revoltante, já que um homem condenado por matar a ex-namorada, Eliza Samudio e jogar seus restos mortais para um cachorro não é exemplo para marca alguma. Mas a notícia, que causa enjoo, é: goleiro Bruno está fazendo publipost (tipo de publicidade onde o influencer fala de uma marca e em troca recebe presentes ou dinheiro) para um canil. 

Na tarde de terça-feira, ele postou uma foto posando com cachorros (o que também já seria absurdo) e agradeceu ao canil especializado no que, segundo ele, é sua raça favorita de cachorros, pelo "encontro produtivo".  No dia seguinte, devido ao "sucesso" da foto, Bruno postou uma foto de uma de duas de suas cachorras. Segundo ele, "a pedidos". Ou seja, muita gente achou "fofo" ver o ex goleiro com cachorros.

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Bruno, vamos repetir, é acusado (e condenado) de ter mandado matar a namorada e depois ter JOGADO SEUS RESTOS MORTAIS PARA CACHORROS COMEREM. O corpo, depois disso, teria sido cimentado. Esse é um dos crimes mais cruéis do Brasil, com todos esses requintes de perversidade. 

Além do mau gosto, ele fazer campanha para um canil é uma falta de respeito com a família de Elisa, com sua mãe e com todas nós, mulheres sem limites.

Qual era a intenção? Fazer piada? E banalizar um crime hediondo desses e fazer com que pessoas riam disso: "ah, o Bruno no canil, kkkk" ? Pode até ser. Mesmo antes desse absurdo, já havia muita piada na internet com o crime. Em algumas delas, Bruno é tratado como homem corajoso, o que mostra bem a inversão de valores de certos homens brasileiros, capazes de glorificar um assassino. E isso mostra também como o pensamento "a zoeira não tem limites" pode ser danoso. Claro que a zoeira tem que ter limites. Assim como tudo na vida. Assim como a publicidade.

Uma das possibilidades é que o tal canil tenha feito isso para chamar atenção e conseguir aparecer, na linha "fale mal, mas fale de mim." 

Essa possibilidade foi levantada por ativistas negras algumas semanas atrás quando a marca Bombril lançou uma propaganda com o nome Krespinha, causando revolta, já que associar o produto a cabelo de mulheres negras é recorrente e uma coisa que se luta contra. Funcionaria assim: todos reclamam, falam mal e assim a marca consegue engajamento nas redes sociais. 

Faz todo sentido. Claro, no caso de associar canil a goleiro Bruno é muito mais chocante, uma coisa sem precedentes. Por isso mesmo, o nome do canil que cometeu tal barbaridade não será incluído nesse texto.

É chato que a gente tenha que repetir essas coisas. Mas feminicídio é uma coisa séria e um mal que assombra o país. Mais de 1300 mulheres são mortas por feminicídio no Brasil por ano, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Um crime desses é registrado a cada sete horas. 

O Brasil é o quinto país onde mais mulheres são agredidas e mortas. Quando a gente vê algo como goleiro Bruno fazendo propaganda de Canil, entende esses números, faz sentido. Pior, nos faz achar que esses números vão aumentar ainda mais. Afinal, o crime compensa, não? Pelo menos, parece ser a mensagem. É triste e inadmissível.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.