Humor preconceituoso do Pânico soa obsoleto em 2020. E isso é ótimo
Na década passada, o programa "Pânico" era um sucesso absoluto, no rádio e na TV. Algumas coisas no programa até eram engraçadas e o show revelou gente bacana como Sabrina Sato. Mas boa parte do "humor" do programa era o do tipo bullying mesmo. Aquele que "ri das minorias", que não vê limite para as piadas e vai fundo no politicamente incorreto.
Um exemplo: a cantora Preta Gil processou o programa – e ganhou – por ter sido retratada como uma baleia encalhada e ser constantemente perseguida por eles. Esse é um exemplo para os mais jovens entenderem do que se tratava: piadas com gordos, com gays e com as panicats (as mulheres lindas e seminuas que ajudavam apresentar o programa).
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Passaram-se muitos anos. As coisas mudaram. E alguma delas mudaram para melhor. "Piadas" com negros, mulheres, gays, gordo são inaceitáveis em 2020. E não é porque o mundo ficou chato, não. Mas porque teve (e tem) muita gente lutando diariamente por respeito e para que as coisas mudem. Essas piadas nunca tiveram graça para quem era vítima delas.
Mas hoje os jovens são bem mais espertos. Uma prova disso é a maneira como o programa Panico (hoje apenas um programa de rádio na Jovem Pan) mas ainda com muita audiência, tem sido tratado na internet.
Semana passada, o programa foi parar duas vezes nos assuntos mais comentados do Twitter. E, nas duas vezes, foram com críticas pesadas.
Na primeira, o apresentador Emilio Surita deu uma espécie de exemplo ao vivo de homem que interrompe, o famoso manterrupting, ao receber a convidada Bianca Boca Rosa. A cena dele não deixando a influenciadora maquiadora falar é daquelas de irritar qualquer mulher (porque sim, já passamos por isso, ainda passamos). Bianca teve que literalmente dizer: "me deixa falar".
Ela tentou explicar sua posição contra o racismo. Ganhou uma "aula" (sem pedir, ela era a convidada) que poderia ter o tema "não somos racistas" (aquele papo de branco que fala, imagina, eu até tenho amigo negro, não sou parte do sistema racista etc etc).
Alguns dias depois, foi a vez do programa convidar Mario Jr, de 20 anos, que faz sucesso no TikTok. Ali, o menino, quieto, ficou sendo humilhado por Emilio e os convidados, que riam dele e o criticavam como se ele nem estivesse ouvindo. Um dos convidados, o economista Samy Dana disse que não entendia nada de TikTok ok e mandou o menino "estudar."
Bem, eu também não entendo de TikTok, sou uma mulher de quase 50 anos, isso não é exatamente para a minha idade. Na verdade, tenho sim o aplicativo no meu celular para seguir a minha afilhada. E, bem, deixe as crianças, deixem os mais jovens! Ou vamos virar velhos resmungões? (bem, eu não vou!).
Mais uma vez, o pessoal da internet não gostou nada da maneira como o menino foi tratado. O nome do apresentador Emilio Surita foi parar nos trending topics. Mais uma vez, de forma negativa.
Há um tempo, quando vejo menção ao programa e vou ver o que está acontecendo, fico chocada com o que vejo.
"Brigar feito mulher"
Ano passado, depois de receber socos do jornalista Augusto Nunes, o jornalista americano Glenn Greenwald foi submetido a piadas homofóbicas e xenófobas e chegou a ouvir que ele devia "brigava que nem mulher" (ei, nós, mulheres, sabemos brigar sim!)." Surita também imitou o jornalista, fazendo trejeitos e riu do sotaque dele.
No mesmo ano, a colega Mônica Bergamo foi vítima de uma agressão gratuita. No programa, ele comentou que Monica tinha "uma tatuagem do Lula na virilha". Uma baixaria.
O comentário também não pegou bem e também levou a uma onda de críticas e solidariedade a Mônica…
Fazer piada do estilo "humor bullying" não tem mais graça. E não, não vão deixar passar. Tem quem chame de "mimimi" e de tempos chatos. Eu chamo de civilização.