"Brigamos pelo direito de uma criança", diz feminista que foi ao hospital
Na noite de ontem, quando a menina de dez anos que engravidou após sofrer um abuso, finalmente chegou ao CISAM (Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros), hospital onde faria um aborto, em Recife, e foi recebida por manifestantes aos gritos de "assassina". Ao mesmo tempo, um grupo de feministas que estava no local, prestando apoio à vitima, foi xingado e ameaçado. Houve tumulto e tentativa de invasão.
Quem conta é a jornalista e feminista Carol Vergolino, que é co-deputada do coletivo Juntas (PSOL), na Assembléia Legislativa de Pernambuco. Carol, ao lado de outras feministas, foi para a porta do hospital garantir o direito da criança.
Veja também
- Se Brasil fosse um país decente, teria parado por criança que sofreu abuso
- Homem que filmou advogada no Rio diz que fez brincadeira. Não, foi assédio
- Atriz conta que sofria assédio aos 12 anos. Vocês sabiam que isso é comum?
A menina em questão foi estuprada desde os seis anos por um tio e teve que percorrer um caminho tortuoso para conseguir que o aborto fosse realizado. A família é do Espírito Santo e eles tiveram que ir para Recife para que o procedimento fosse feito.
Há relatos de que a família da menina sofreu ameaças e pressão para que desistissem de realizar o aborto (que é garantido pela lei).
Depois de tudo isso, a família ainda teve que lidar com gritos e ofensas, além da ameaça de invasão. Após os dados da garota e seu nome serem divulgados na Internet, grupos contra o aborto foram para a frente do hospital tentar impedir a realização do procedimento.
"Tivemos que brigar para que o direito dela fosse exercido, para que a lei fosse cumprida. E muitas vezes, o que fizemos foi físico mesmo: montamos uma barreira para impedir que eles invadissem o hospital e forçar para que eles saíssem de lá", conta Carol.
Segundo ela, teve briga e agressão física. "Era tudo o que a gente não queria. Ficamos tentando pedir calma, que eles respeitassem o local, já que estávamos na porta de um hospital e, ainda por cima, durante uma pandemia. Eram pessoas sem máscara, sem o menor respeito. Tivemos que empurrá-los, contra a nossa vontade. A gente só queria que a ordem fosse restabelecida ali. Imagina, aquele é um hospital que atende casos de gravidez de alto risco. Aquela confusão afetou também os outros pacientes", explica.
A ida ao hospital não estava nos planos das mulheres de Recife. "Nós sabíamos que estava tudo correndo bem, acertado para que o procedimento fosse feito e nunca pensamos em ir para a frente do hospital. Queríamos que a menina fosse tratada em paz e jamais criaríamos aglomeração no meio de uma pandemia", conta.
Elas mudaram de ideia após saberem que grupos contra o aborto foram para a porta do hospital. "Tivemos que ir para garantir um direito de uma criança. Não poderíamos imaginar ter que brigar para que a lei fosse cumprida. É uma distopia."
Mesmo assim, segundo Carol, o saldo foi positivo. "Foi muito bonito ver a união das mulheres, ver mulheres juntas unidas para garantir que a lei seja cumprida", diz.
Quanto ao risco dos manifestantes tentarem invadir o hospital de novo ou criar mais confusão, ela é confiante. "Estávamos em maior número e eles se assustaram. Eles não vão voltar, ficou ruim para eles".