Nós, adultos, não temos moral para brigar com filho que não sai do celular
Nina Lemos
19/02/2018 13h08
Foto: Getty Images
Se você, como eu, tem entre 40 e 50 e poucos anos, saiba que você não tem muita moral para brigar com seu filho, sobrinho ou enteado, falando que ele passa tempo demais olhando para a tela de um telefone ou computador. Quer dizer, pelo menos a maioria de nós não tem. Isso porque passamos quase tanto tempo online quanto eles. Hora de assumir.
Um estudo feito nos Estados Unidos mostra o que eu já imaginava. Nós, quarentões, somos os reis do pedaço virtual.
Um levantamento do ano 2017 mostra que, em se tratando de pessoas entre 35 e 55 anos:
- Nossa média de tempo gasto é a segunda maior entre seres humanos, só ficando atrás dos Millenials.
- 83% de nós estão em redes sociais.
- Gastamos em média 80 horas por mês conectados interagindo (eu, sinceramente, desconfio que seja mais).
Não estou surpresa. Pelo contrário.
Sempre desconfiei que eu e o pessoal da minha idade dominava a internet. Isso porque, apesar de "velhos", fazemos memes, nos comunicamos por GIFs animados e tretamos no Twitter e no Facebook com uma frequência e uma ferocidade que, sério, não entendo onde a gente jogava tanta raiva antes.
Somos adultos, mas, na rede, vamos admitir, variamos entre adolescentes raivosos e crianças hiperativas. Temos opinião sobre tudo, brigamos, escrevemos comentários, magoamos com comentários, uma loucura.
Filhos da revolução
Nós, nascidos entre o início dos anos 1960 e o fim dos anos 1970, fazemos parte da Geração X. Somos classificados como pessoas que ficam no meio entre a geração totalmente analógica (dos nossos pais) e a dos Mlillenials, aquelas pessoas de 20 e poucos anos que sabem tudo sobre computadores, apps, startups, métricas e usam expressões em ingles que não entendemos.
Nós somos da época da fita cassete, da internet discada e da secretária eletrônica (uma coisa supermoderna na época, e que era usada, claro, com um telefone fixo).
Minha teoria: passamos tanto tempo esperando a conexão discada funcionar (quem tem seus 40 lembra exatamente do barulho que fazia) que agora nos esbaldamos.
Resultado: nós, tão "adultos" , somos os reis da treta e fazemos coisas horríveis que a maioria não confessa como :
- "Tirar prints", para menos iniciados, isso significa fazer uma foto de uma conversa, de uma briga dos outros, (é horrível, eu sei) e mandar para amigas (sim, é péssimo). Mas, verdade seja dita, muitos de nós fazem.
- Ter perfil falso no Facebook para stalkear (perseguir, bisbilhotar) pessoas que bloqueamos na rede, como ex-namorados ou pessoas com quem brigamos.
- Não ter coragem de ter um perfil falso e por isso pedir para amigas tirarem prints das conversas dos alheios e nos mandarem (E sim, isso também é uma coisa muito psicopata).
Tanto tempo gasto online, e comportamentos tão loucos têm seus efeitos colaterais: dependência, brigas online, discussões com namorados/maridos que não são tão viciados e não entendem porque passamos tantas horas no twitter.
Eu, parte dessa geração e viciada grau grave, não tenho nenhum orgulho de ser assim. Mas sou, assumo.
Colocamos adolescentes de castigo, mas acordamos no meio da noite para"ver se algo aconteceu" Nosso problema, como somos adultos "responsáveis", não temos quem nos coloque de castigo.
Estamos ferrados. E, repito, não temos orgulho algum de ser assim, não. Ainda não sabemos como parar.Mas também não podemos negar que a gente se diverte.
Sobre a autora
Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.
Sobre o blog
Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.