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Bancos de sêmen parecem Tinder: fiz meu cadastro para entender como é

Nina Lemos

28/03/2018 04h00

"X tem 40 anos, 1,80, gosta de cozinhar e de ler e é professor com mestrado em literatura. Seu prato preferido é massa". O Y tem 38 e estuda ciência biomédica. Ele é taurino e gosta de fazer esportes."

Não, não achei esses perfis no Tinder, mas em páginas de bancos de esperma que oferecem, a um clique e muitos dólares, isso mesmo: esperma a sua escolha para ser usado em inseminação artificial.

Não estou a procura de esperma para fazer uma inseminação e gerar um filho. Mas decidi pesquisar o assunto depois de ler que brasileiras são campeãs na compra de espermas de norte-americanos. Sim, o "Wall Street Journal" publicou reportagem semana passada dizendo que a importação de esperma americano por brasileiras cresceu vertiginosamente e que a preferência é por doadores loiros e de olhos azuis (!!). Para isso, me cadastrei em alguns bancos de espermas virtuais para ver como a coisa funciona.

Dei de cara com sites como do Cryos, o banco dinamarquês conhecido por ser a maior do mundo. O site parece uma mistura de Ok Cupid, o site de encontros, com uma grande loja online, como a Amazon. Ali, você tem até um carrinho de compras, que vai ser carregado com os espermas que você comprar de seu doador.

Você pode achar o "esperma encantado" escolhendo, por exemplo, a religião, a cor dos olhos, dos cabelos, a raça, a nacionalidade. Em segundos, você recebe uma lista que bate com a sua preferência. A sensação, enquanto você rola os olhos pela lista de perfis, é de que você está escolhendo alguém para um date. Mas, não, no fim você vai comprar aquilo. Ele vai ser o "pai" do seu filho.

Depois de registrada (o que leva poucos segundos e é como em qualquer site), você pode também ver fotos dos seus pretendentes quando eram bebês, testes de inteligência, tendência hereditária a doenças e traços de personalidade.

Na minha primeira tentativa de "compra", preenchi nas minhas preferências que procurava "alguém" de cor de pele branca, cabelos e olhos castanhos. Em religião, coloquei "outras", pensando que seria a opção mais parecida com a minha crença (não tenho religião, mas rezo). Estava procurando alguém parecido comigo, para que o filho de esperma desconhecido "me puxasse". Fiz isso sem pensar. Sim, nem estava comprando de verdade , mas me vi escolhendo como se estivesse olhando um site de customização de bicicletas . Bizarro.

O próximo site que visitei, o da Fairfax Cryobank, empresa Americana que também atua no Brasil, me deixou ainda mais assustada. Ali, dei de cara com perfis ilustrados por foto dos doadores quando eles eram crianças. Existe ainda a possibilidade (eu juro) de tirar uma foto na hora e jogar no site para que eles procurem doadores que possuam um "match" com a sua cara. Dei upload em uma foto e o site me devolve 18 doadores, todos com um nível "baixo" de match comigo. Talvez o Nino perfeito não estivesse disponível. Ali você pode marcar centenas de opções. Qual o animal preferido do seu doador de esperma dos sonhos? Cachorro, gato ou passarinho?

Os bancos gringos prometem entregar no mundo todo e seus sites têm até tradução em português.

Esperma de humanas

Na reportagem que li sobre brasileiras que compram espermas de americanos loiros, uma cliente reclamava dos bancos brasileiros. Segundo ela, eles traziam poucas informações sobre os doadores. Será? Bem, não achei. Foi numa delas, a Pro Seed, que dei de cara com o meu "match perfeito", o tal cara que gostava de ler e era professor de literatura. Certeza que se fosse para comprar esperma para "formar" um filho eu preferiria de alguém de humanas. Ele, como vários doadores, era fã da Legião Urbana. Também sou. Será que ser fã da Legião é genético?

O site do banco brasileiro é bem completo. Mas talvez não chegue ao grau de detalhes do da Fair Fax Cyriobank, onde você pode ver a idade de morte de praticamente toda a árvore genealógica do seu pretendente doador. Sim! Você tem acesso a dados como a idade da morte dos avós e dos irmãos dos avós. Fico imaginando essa conversa quando um casal se conhece: "Com quantos anos morreu seu tio avô? 70, nossa o do meu ex morreu com 89". Esquisitíssimo.

Comento com uma amiga solteira e nos seus 40 e poucos anos que passei o fim de semana escolhendo espermas de doadores para um filho imaginário. D., brasileira que mora na Holanda me disse: "Na Cyrios? Sou cadastrada lá e de vez em quando dou uma olhada nos doadores. Apesar de dizer que o banco parece um "Mc Donald's" de espermas, ela diz que pensa em visitar a sede na Dinamarca.

"Penso, sim, em comprar. Sempre quis ser mãe. Em 2014, quando terminei meu mestrado, resolvi tomar uma atitude concreta e pragmática a respeito. Conversando com uma amiga, que é mãe, ela me apoiou, disse: 'faça sozinha, você não vai ter depois que ficar negociando a educação com alguém"'. Ela tem razão, 80% dos meus amigos pais têm problemas na criação dos filhos. Acredito que se a criança for muito amada, ela vai ficar bem.

Mesmo assim, minha amiga conta que se sente tão esquisita quanto eu ao pensar em "escolher um esperma". "Me sinto um ET. Meio com vergonha de mim. Me achando uma ridícula. Mas, pensando bem, toda mulher, principalmente brasileira, se sente um ET quando decide tomar uma decisão por si própria."

Apoio a minha amiga. Mas continuo achando muito estranho saber que posso (vai que dá a louca) comprar o esperma para "fazer" um futuro filho como se montasse um sanduíche em um fast food e falasse: "Sem mostarda, pouca cebola". Sim, antes que vocês falem, concordo. É muito Black Mirror.

 

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Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.