Homem fazer xixi sentado: tabu no Brasil, normal na Alemanha
Nina Lemos
11/05/2018 05h00
"Quando eu era adolescente, fazia xixi sentado escondido até de mim mesmo". A frase do cineasta Felipe Dallanese , de 39 anos, explica bem um clichê: homem que é homem faz xixi em pé, segura o pinto e ainda balança. Sentar no vaso é coisa de menininha. Hoje, adulto, Felipe é um dos homens a irem contra esse tabu. No Brasil, falar abertamente desse hábito, é exceção. Em países da Europa como a Alemanha, homem sentar para fazer xixi é regra. Chocados?
"Faço xixi sentado em casa, simplesmente, porque suja menos a privada que eu mesmo vou limpar. Outras vezes, faço porque é mais prático, estou cansado, quero sentar", diz Felipe, que hoje "não se esconde mais."
Na Alemanha, sentar para fazer xixi é algo que os meninos aprendem ainda criança."Quando eu tinha uns 11 anos, minha mãe me chamou para uma conversa. Ela disse que eu devia sentar para fazer xixi, porque assim sujava menos a privada que ela limpava. E que depois de fazer cocô devia usar a escovinha para limpar", conta meu marido alemão de 51 anos. A mãe dele não era super feminista ou mega moderna, mas uma dona de casa de uma cidade do interior. Na Alemanha, essa conversa é apenas normal. "Você faz xixi sentado?", pergunto para F., meu enteado de 15 anos. "Em casa, sim", ele responde, sem o menor constrangimento. A lógica é muito simples. Ele mora com a mãe e a irmã. Não faria sentido ele sujar algo que as duas usam. Fazer xixi sentado é questão de respeito.
O cineasta Felipe, que não tem vergonha de dizer que faz xixi sentado
No Brasil, o assunto ainda é um mega tabu. Tanto, que homens como Felipe (e talvez você, que lê esse texto) já sentiram vergonha por fazer xixi sentado. Ou ainda sentem.
"Nossa, eu morria de medo porque iam falar que eu era uma menininha. Olha que ridículo. Hoje sei que não preciso de uma bobagem dessas para provar que eu sou homem. Pensa bem, o jeito que você faz xixi definir masculinidade é patético," diz o cineasta.
Fazer xixi sentado é integração
"Por favor, todos os gêneros do mundo, sentem para mijar!" A frase, escrita em várias línguas, está em um pôster colado em cima da privada do banheiro da minha escola de alemão. O banheiro da escola de Berlim (de orientação anarquista e inclusiva) é unissex, ou "para todos os gêneros do mundo" A escola é registrada como escola de "integração", um lugar que, na teoria, ensina imigrantes a se adaptarem à vida na Alemanha. Penso que essa é uma importante parte da educação.
A documentarista Mariana Weiss, que mora na Alemanha há 11 anos, teve uma grande surpresa quando se mudou para o país e se deparou com essa "novidade". "Passei toda a minha infância tendo inveja do meu irmão. Quando conheci meu marido e soube que para ele isso não existia, e que sentar para fazer xixi era apenas normal, fiquei muito intrigada". Mariana virou uma entusiasta e filósofa de botequim do ato. "Acho que tem muitas coisas importantes aí. O cara está pensando em deixar o lugar decente para uma mulher usar, e também na divisão dos trabalhos domésticos, já que na Alemanha, tudo é dividido."
Mariana vai além e vê no ato de segurar e balançar o pinto uma espécie de arrogância. "É aquela coisa: 'olha, eu tenho um pinto, balança', como se ele fosse melhor e mais poderoso por isso", diz.
O livreiro Edney Meirelles, um pernambucano que mora na Alemanha há 15 anos, concorda."Comecei a fazer xixi sentado quando mudei para a Alemanha. No Nordeste, da onde eu vim, esse hábito talvez só chegue em 2050", ri.
Edney conta que passou a infância ouvindo a mãe de três meninos falando que os filhos deviam sentar para fazer xixi. Sozinha, claro. Nenhum deles a ouvia.
"Nunca tinha entendido esse pedido da minha mãe, agora, eu o respeito totalmente. Além da questão higiênica, é uma questão de respeito ao próximo que utilizar o sanitário. O ser masculino nunca acerta aquele buraquinho do vaso e tão pouco limpa o lugar após o uso", acredita.
Apesar de hoje só ver benefícios em fazer xixi sentado "é relaxante e mais difícil de deixar cair o celular na privada", ele acha que o assunto no Brasil ainda é difícil. "Somos ensinados na nossa sociedade machista a urinar em pé."
O tabu não é privilégio brasileiro. Ano passado, o jogador argentino Leonel Messi causou surpresa no mundo todo ao "assumir"(e esse verbo usado aqui é bizarro, já que não está se cometendo um crime ou fazendo algo errado) que fazia xixi sentado. "É mais cômodo, você levanta pela manhã todo cansado, quase dormindo, abaixa as calças e pronto", ele disse, rindo, em um programa de TV. A notícia correu o mundo e virou até debate acadêmico. "É muito bom que cada vez mais homens vejam que o ato de ficar em pé para fazer xixi signifique hombridade é ridiculo", disse o antropólogo Fernando Villamil na época para o jornal El País.
Sim, você não precisa fazer xixi em pé para provar que é homem. E mulheres, dá, sim, para conversar sobre isso com filhos, parceiros, maridos. Por que não? Senta aí e relaxa, menino!
Sobre a autora
Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.
Sobre o blog
Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.