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Meghan Markle: a feminista que tem que brigar pelo direito de usar calças

Nina Lemos

01/08/2018 04h00

"A princesa gostaria de usar mais calças, mas em várias ocasiões isso não é permitido." "Ela estaria muito chateada porque não pode usar calça comprida e isso tem sido motivo de brigas com o príncipe." As frases parecem ditas em um seriado que mostra as opressões da Idade Média na Netflix. Mas trago más notícias: elas são de 2018. E a "princesa" (oficialmente, duquesa), no caso, é ela mesma, a "princesa feminista", Meghan Markle que, segundo os muito otimistas, iria mudar a realeza (nunca acreditei nisso porque não acredito em contos de fadas nem em Papai Noel.)

Nem três meses do casamento se passaram e a revolução está nesse ponto: brigas e especulações sobre se uma esposa de um príncipe pode ou não usar CALÇA. Sim, esse é um dos assuntos discutidos pela imprensa inglesa e pelas revistas de moda.

Algumas matérias dizem coisas ainda mais assustadoras. O marido de Meghan, o príncipe Harry, estaria se metendo em seu guarda-roupa e vetando terninhos. Ele não estaria nada feliz com a "rebeldia" da mulher e teria proibido que ela encomendasse ternos de alfaiataria para uma tour que os dois farão em outubro. Homem que diz o que mulher tem que usar: não! Sendo príncipe ou o Chico Buarque ou o Brad Pitt… não!

Peço desculpas a quem acreditou nas mudanças que viriam com a entrada de Meghan Markle na familia real, mas se até usar calça comprida é considerado revolução, bem, imaginem quantas coisas ela vai conseguir mudar? Spoiler: quase nada. Só de escrever esses dois parágrafos eu sinto como se já tivesse voltado no tempo 100 anos.

Meghan é uma das maiores personalidades desses tempos. Cada passo que ela dá é fotografado, cada roupa investigada, detalhes bobos como que cor de batom que ela usou são divulgados o tempo todo (e o batom esgota em poucas horas, porque Meghan é um mega outdoor publicitário, assim como todas as celebridades. Usou, vendeu) e o exemplo é esse: tem que ser feminina, um jeans para brincar com a criança no jardim ,tipo Kate Middleton, tudo bem. Mas em evento oficial, epa, pera lá, quem você está achando que é? Antes do casamento, ela podia. Agora, não.

Volta a 1910

É bem bizarro pensar que no mundo ocidental, em um país democrático, a "mulher do ano" tenha que lutar por um direito que foi conquistado uns cem anos atrás. As primeiras mulheres a usar calça fizeram a loucura lá pelos anos 1910. Sim, até para usar calças as mulheres tiveram que brigar! E por quê? Porque queriam liberdade para, por exemplo, andar de bicicleta ou a cavalo. No casos dos terninhos, eles se popularizaram nos anos 1920, em parte graças a Coco Chanel, que inventou os ternos para mulheres e revolucionou a moda.

Coco deve estar se remexendo no túmulo. Ser mulher da família real não é fácil. Além de ter que lutar pelo direito de uma coisa tão básica, Meghan tem seu estilo analisado com lupas. Ela estaria ficando menos sexy! Ela estaria errando a mão? Como ela deveria se vestir? Da maneira que ela quiser, gritamos todas, claro, respeitando as leis do bom senso. A gente não vai de biquíni a uma reunião de trabalho, então se espera que uma duquesa, mulher do príncipe, também não faça o mesmo na inauguração de um hospital, por exemplo.

"Acho que ela até tenta, mas aquela coisa opressora e medieval está instalada dentro da família real e isso não vai mudar. A Diana tentou, a gente sabe que não deu certo", diz Vivian Whiteman, editora de moda da revista "Elle". Os ternos, segundo ela, não são bem vistos nesse tipo de ambiente extremamente conversavador porque: "são ligados ao poder, estão longe do papel da mulher."

Uma das coisas que o mundo mais amou em Meghan foi realmente o fato dela parecer ser uma moça poderosa. Mas ela decidiu casar com príncipe. Escolha dela. Não temos nada com isso.

Mas… um dos livros mais importantes da minha infância chama "Ou Isto ou Aquilo", da Cecilia Meirelles. No poema que dá título ao livro ela diz: "ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva… Ou isto ou aquilo." No jogo do "ou isto ou aquilo", parece que ser mulher emancipada e independente e "princesa" não dá certo, né? Afinal, ou é isto. Ou aquilo.

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Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.