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Nós, brasileiros, somos as pessoas que mais se atrasam no mundo. E agora?

Nina Lemos

03/08/2018 04h00

"No Rio de Janeiro, é considerado sem educação chegar no horário em uma festa. Todos esperam que a gente chegue atrasado, já que a dona da festa também vai se atrasar." Essas observações verdadeiras estão em um texto publicado essa semana na "BBC", escrito pela jornalista inglesa Lucy Bryson, uma inglesa (um dos países com o povo mais pontual do mundo) que mora há nove anos no Rio.

Em "Porque o brasileiro está sempre atrasado" (leia no link, em ingles), ela explica, por exemplo, que a expressão "estou chegando" significa que em alguma hora a pessoa pretende chegar. E, acrescento aqui, pior mesmo é o "estou indo".

Quando nós, cariocas, falamos que estamos indo, isso não significa uma ação, mas um desejo. É tipo: "Gostaria de ir, mas posso mudar de ideia a qualquer momento."

Fiquei fascinada pelo texto dessa inglesa por viver a situação inversa: sou brasileira (e, digo, carioca) e moro na Alemanha.

Pesquisando sobre o tema, vi que, aqui na terra do Goethe, o normal é chegar 10 minutos ANTES do compromisso. Isso se deve ao fato desse ser um país que logo foi industrializado. E o apito da fábrica, você sabe, não atrasa. Isso faz com que a Alemanha seja considerada a nata da pontualidade.

Eles estão no topo, junto com o Japão. O Brasil está na turma do fundão, junto com a Índia. Somos categorizados no espaço dos países onde horário não importa.

Correr para não correr 

E é verdade que os alemães têm tanto medo de se atrasar que chegam antes, viu? Meu marido, alemão, chega sempre antes para "poder chegar com calma." A explicação dele costuma ser: "Eu corro para chegar antes e não ter que correr na última hora." Bem, sinceramente, isso também não faz sentido e também parece meio maluco. Então, cada povo com suas loucuras.

Já nós, brasileiros, somos definidos internacionalmente como "pessoas que chegam na hora que querem." "Lugar onde não se cumpre hora".

Nunca fui uma pessoa de atrasar muito, não. Eu atrasava 15 minutos, meia hora, o que é considerado educado no meu país (sim, somos muito esquisitos).

Aqui, no começo, corria feito maluca para chegar nos compromissos na hora e aquilo era muito estressante. Eu corria pela casa me arrumando gritando: "Os alemães estão me esperando! Os alemães!".

Hoje, me percebo planejando sair com antecedência e, apesar de achar que a pontualidade é uma qualidade e que eu mudei para melhor, me sinto um pouco traidora da minha pátria.

Mas tudo muda, claro, quando marco de sair na Alemanha com amigos brasileiros. Exemplo: combinei de ver um dos jogos da Copa com várias amigas. Eu me dirigi meio atrasada (e levando um alemão junto, tenso) para o local.

Enquanto isso, meu WhatsApp bombava: "Cadê vocês?", perguntava uma." "To chegando", respondia outra." "Não chegou ninguém ainda, então vou dar um pulinho ali na esquina", disse a terceira.

Conclusão: cheguei e encontrei uma das amigas esperando sozinha. As que tinham ido dar um pulinho no boteco da esquina fizeram amizade com umas pessoas e ficaram por lá e nunca mais voltaram. Porque ainda tem essa. A gente, além de se atrasar, muda de ideia, de planos, e sempre pode acontecer um fenômeno que te faça mudar tudo completamente, como fazer novos amigos (o que é uma qualidade nossa maravilhosa, claro!).

Mas isso, para um alemão, é impensável. As pessoas aqui planejam encontros com um mês de antecedência, e não esquecem e chegam na hora — ou melhor, 10 minutos antes (juro).

Hoje, quando estou no Brasil, me irrito quando amigos me deixam esperando pronta duas horas porque "já estão chamando o Uber" (hoje eu acredito neles! E elas ainda riem de mim e falam que virei alemã!). Mas também não gosto quando tenho que confirmar presença em uma festa com um mês de antecedência (não sei nem se vou estar viva! Eu, heim!).

Melhor aceitar as diferenças, rir muito disso tudo. E tentar pegar o melhor lado de cada cultura.

Ah, sim, estou generalizando (baseada em pesquisas). Deve existir brasileiro (e até carioca) pontual, assim como deve existir alemão que atrasa duas horas (se conhecerem algum, me avise, quero fazer uma entrevista com ele!).

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Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.