Pesquisa diz que mulheres ganham menos. E muitas acham que merecem isso
Nina Lemos
12/09/2018 11h40
Foto: Getty Images
Uma pesquisa divulgada ontem mostrou aquele tipo de realidade que nos faz ficar revoltadas (com motivo). Mulheres do mundo todo, apesar de terem melhor formação universitária, ainda ganham, no geral, 26% a menos do que os homens. A conclusão é: nós, mulheres, estudamos mais e ganhamos menos. Simples e terrível assim. A pesquisa foi feita pela Organização para a Cooperação e Direito Econômico (OCDE)
O que você faz depois de ler uma notícia dessas? Tem vontade de chutar a mesa do chefe, derrubar cadeiras, ou, ao menos, de fazer um textão no Facebook falando que as coisas não podem ficar mais assim, certo?
Aí vem o segundo choque. Nas redes sociais, muitas mulheres repercutem essa notícia tentando justificar o fato de ganharem menos. "Elas não merecem mesmo ganhar o mesmo que os homens", "essa pesquisa foi armada. Afinal, isso nunca aconteceu", "se os homens ganham mais, é porque eles merecem."
Centenas de mulheres comentam um absurdo desses dizendo coisas como "os homens merecem ganhar mais, porque, afinal, fazem trabalhos mais pesados fisicamentes." E, em muitos casos, copiam a palavra que mais tem sido usada contra nós, mulheres quando reclamamos pelos nossos direitos: "mimimi."
Passei muitas horas tentando entender as razões desse disparate.
A minha primeira conclusão: centenas de anos de lavagem cerebral machista funcionaram de maneira exemplar. Colocamos o discurso do desmerecimento dentro da gente, aceitamos que os homens são melhores. Copiamos o que pensam os piores sujeitos e aceitamos a nossa condição inferior ao ponto de NOS REVOLTAR com a comprovação de que ganhamos menos não porque isso é errado, mas porque, se ganhamos menos, claro, é porque temos um bom motivo para isso.
Lembrei de uma amiga brasileira morando na Alemamha que falava alto. Depois de um mês de namoro com um sujeito alemão, que reclamava do jeito dela falar, ela me disse: "O fulano tem razão. Nós, mulheres brasileiras, realmente falamos muito alto, isso é horrível."
Por que lembrei dela? Por que ela pegou o preconceito do cara, abraçou e… adotou! Sim, muitas de nós sofrem de auto-preconceito.
Lembrei dessa amiga porque só mesmo um machismo que está profundamente enraizado dentro de alguém faz com que essa pessoa pense que MERECE TRATAMENTO DESIGUAL.
"Isso é mimimi!"
Não é de hoje que vejo mulheres chamando reclamações de outras mulheres por: pressão estética, desigualdade e todos os males que tentamos combater de "mimimi". Elas copiam, exatamente, o que escutam dos caras mais babacas (desculpem a expressão). E talvez se sintam mais espertas por isso.
Alguns dos comentários femininos sobre o fato de MULHERES ganharem menos que os homens (atenção, comentários reais que podem te causar mal estar):
"Falácias. A pesquisa não mostra os cursos. Apenas querem botar mulheres contra homens. Cursos superiores são muito diferentes na hora do emprego e do salário."
"Tem por questões pessoais não por que é mulher, mulher tem filhos, mulher cuida da casa. Mulher é mulher e ponto final. Chega desse mimimi de direitos iguais."
"Claro que mulher ganha menos, afinal, ela não fica com a maioria do trabalhos fisicos e pesados."
"Palhaçada. Onde que tem mulher exercendo o mesmo cargo de homem, com a mesma carga horária, na mesma empresa, ganhando menos???"
Como pode?
Outra teoria que me ocorre é a da negação. Melhor fingir que não existe o problema para não ter que enfrentá-lo. Melhor fingir que está tudo bem, e que mulheres que reclamam e querem mudar as coisas (como essa aqui que vos escreve) são mimizentas. Jornalistas que escrevem a respeito apenas criam "fake news".
O buraco é profundo (e não é só de diferença salarial).
E, sim, esses assuntos deveriam ser debatidos nas escolas, nos lares. Quem sabe um dia a síndrome de Estocolmo do machismo acaba? Pelo jeito, o auto-preconceito e a síndrome do desmerecimento vão demorar mais para acabar do que as diferenças sexuais entre gêneros.
Sobre a autora
Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.
Sobre o blog
Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.