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"Você mora fora, não pode falar": nós, imigrantes, podemos sim!

Nina Lemos

08/10/2018 11h50

Foto: Getty Images

"Você mora fora do Brasil, então não sabe de nada". "Quem é você para falar?". Se você quer magoar um imigrante (como essa que vos escreve), fale isso. Ouvir esse tipo de coisa quando a gente mora fora dói. E dá raiva. Muita. Ainda mais em momentos graves, como o que vivemos agora no Brasil.

Moro há quatro anos na Alemanha. Não tenho que ter carteirinha de preocupação com o Brasil, mas ela é gigante. Assim como a dos meus amigos que moram aqui. Se existe gente que mora fora e não liga? Até existe, mas, garanto, essas pessoas também não ligariam se morassem no Brasil. Nunca ligaram. E essas pessoas existem em todo canto: no Brasil, fora dele, em Marte (se lá existisse vida humana).

Falar que a gente não pode se preocupar ou opinar é tipo gente que acha que não podemos falar sobre criança porque não somos mães ("você não sabe de nada").

Quando vocês falam que não podemos opinar, vocês estão nos transformando em traidores da pátria, aumentando a nossa culpa por morar fora (sim, ela existe, e piora quando as coisas no Brasil estão horríveis).

E tem outra: aqui a gente já sofre preconceito e a maioria (eu inclusa) não pode nem votar. Quando vocês falam que não podemos opinar e que não sabemos de nada, a gente fica espremido entre dois preconceitos. Então não temos mais país? Algumas horas me sinto flutuando em uma boia no meio do Atlântico.

"Mas é muito fácil falar morando na Europa", alguém diz. E a vontade é responder: muito fácil falar quando a gente vê que existe lugar onde a educação é gratuita, vai de 9h da manhã às 18h, as mulheres têm licença maternidade de três anos e cada mãe recebe uma ajuda de custo por filho (independentemente de quanto ganhe).

Além da gente ter experiência de vida no Brasil (41 anos, no meu caso), a gente passa a querer mais e mais as coisas boas, como educação e saúde decentes, para o nosso país também!

Então, claro que vamaos falar. Inclusive porque vimos exemplos de coisas que dão certo. Sabemos que é verdade que a desigualdade é menor em um país em que cada um limpa a própria privada, por exemplo.

E é simples, ninguém deixa de ser brasileiro porque sai do Brasil. Algumas pessoas até fazem essa linha, mas elas são minoria (e com essas pessoas eu nem me relaciono).

Vocês acham que a gente não sofre e não tem opinião sobre o que acontece no lugar onde nascesmos, crescemos e onde mora nossa família e nossos amigos? Como assim?

Não é fácil para ninguém. Nem para quem está em Paris (não, a vida de quem mora em Paris não é perfeita, muito menos para quem é imigrante) nem em Tóquio nem em São Paulo.

E mudo um pouco a frase dos Titãs, que cantavam nos anos 90: "Não sou brasileiro, não sou estrangeiro". Eu sou brasileira e eu sou estrangeira. E junto com vocês, me preocupo. E sofro.

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Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.