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Conflitos das eleições fazem brasileiros desistirem de Natal com a família

Nina Lemos

21/12/2018 04h00

Santiago Nazarian, escritor. Foto: divulgação

A empresaria Betina (nome fictício), de 48 anos, sempre passou o Natal com a família reunida. No caso, ela, o marido, o filho, a mãe, o irmão, a cunhada e os sobrinhos. Esse ano, pela primeira vez, ela se prepara para passar o Natal desgarrada. Motivo: uma briga com a cunhada que começou na época das eleições –e até hoje não foi superada.

"Meu irmão e minha cunhada moram em Miami e costumamos passar o Natal lá, juntos. Esse ano, não deu. O clima ficou pesado. Tive uma briga com a minha cunhada no WhatsApp da família. Discordamos politicamente e ela foi agressiva, me ofendeu. Ela não fala comigo até hoje."

Enquanto sua mãe e irmão e sobrinhos vão passar o Natal em Miami, Betina vai ficar em São Paulo com o marido e o filho. E vai fazer uma festa para amigos. "Já tenho umas 20 pessoas confirmadas que estão na mesma situação", conta.

Sim, as eleições mais polarizadas da história provocaram brigas e rachas em várias famílias, e muitas desses conflitos ainda não foram superados, interferindo nas festas de Natal (uma época, vale lembrar, em que as tensões já ficam acirradas. Quem nunca recebeu uma pergunta indiscreta de um tio do tipo: "cadê os namoradinhos?").

Família é para sempre? Sim, mas alguns desentendimentos ainda não foram digeridos, como mostra o escritor Santiago Nazarian.

"Esse ano, eu não vou celebrar Natal em família. Foi muito pesada essa eleição para mim, e a total falta de solidariedade deixou um gosto bem amargo", conta Santiago.

"No primeiro turno foi tudo bem. Eu votei no Ciro Gomes, mas entendo que é preciso ser tolerante, até porque a maior parte da minha família é de direita. Respeito quem votou em qualquer candidato. Mas alguém como Bolsonaro, que é a favor da tortura, vai muito além do aceitável. Isso sem falar no racismo e na postura preconceituosa", diz ele. As coisas pioraram no segundo turno. "Como escritor e homossexual, se tornou uma briga pessoal minha".

Santiago passou a questionar o quanto a família aceitava sua orientação sexual. Apesar da minha família aceitar "numa boa", essa abertura para um candidato que tem posturas homofóbicas, para mim, deixou claro que não é bem assim, que eles não comprariam briga pela minha causa". A família de Santiago ficou dividida. "Do meu lado, sobraram apenas minha irmã e meu marido. Sei que família é para sempre. Mas esse ano não tenho estômago", diz Santiago.

A arquiteta aposentada Mariana (nome ficticio) vive o outro lado do conflito. "Não coloca meu nome, pelo amor de Deus", ela pede. Motivo: Mariana tem medo de criar mais brigas com as duas filhas. Mariana votou em Bolsonaro,  as duas filhas foram ativistas dos protestos de mulheres contra Bolsonaro. "Elas me pressionaram, tudo virava bate boca". Ela teme que os conflitos voltem no Natal. "Disse para elas que esse assunto está proibido,  mas vamos ver". Ela teme que qualquer coisa faça o conflito voltar e o Natal "seja destruído".

Acirramento de conflitos

"Essa é a primeira vez que eu e minha mulher vamos passar o Natal na nossa casa, apenas com amigos ", diz o professor Claudio Souza. "Costumávamos passar com a família da minha esposa. Sempre tivemos diferenças políticas. Mas eram levadas com civilidade, até brincávamos com isso. Elas vinham se acirrando, mas sempre foram superadas. No caso dessas eleições, não deu. Eles votarem no Bolsonaro, para a gente, foi cruzar uma linha que não podia ser ultrapassada. Tentamos argumentar, falamos para que votassem nulo. Não sei o que aconteceu. Sei que eu e minha mulher, agora, não conseguimos olhar para a cara deles como antes".

Tem quem ja tenha superado os conflitos. Caso do arquiteto Caio Vieira e sua mãe. "Votei no Bolosonaro, e ela o detesta". Durante as eleições, os dois se estranharam. "Brigamos, sim. Ela deu uma viajada no Face, generalizando, falando que todo mundo que votava no Bolsonaro era machista. Foi a primeira e última vez que me comentei as coisas que ela escrevia na eleição. Disse que preferia ser machista do que ser ladrão", conta. "Na época das eleições, as pessoas estavam muito fervorosas. Mas, com o tempo foi passando, parei de tocar muito no assunto na internet". Ele garante que as diferenças políticas não vão interferir no Natal da família. "Nos amamos e nos respeitamos. Sempre achamos uma soluação para tudo".

Para quem não tem essa "superioridade°, dar um tempo, segundo a psicanalista Ana Bellan, pode ser saudável."Tenho visto muita gente falando: 'esse ano, não'. Dar um tempo pode ser bom. Algumas pessoas estão mostrando uma faceta perversa, que sempre esteve lá, mas, nas eleições, ficaram ativadas nesses tempos de WhatsApp", diz Ana.

Natal sempre foi complicado. Mas por quê? E por que nesse ano está mais difícil?

"No Natal, acontece um encontro com varias gerações, com pessoas que não são tão próximas, pode gerar muita tensão. Nos deparar com nossas origens pode causar estranhamento. Fora isso, o fim do ano traz uma época de balanço", diz a psicanalista. "Passar o Natal com os amigos pode suavizar esse momento".

E, lembrem: uma hora, as brigas vão acabar, certo?

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Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.