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O choro de Theresa May: repercussão seria igual se ela fosse homem?

Nina Lemos

24/05/2019 18h57

Reprodução The Mirror

"Theresa May chorou". Esse é o título de um artigo publicado em um jornal britânico sobre a renúncia da primeira ministra. Sim, ela encerrou seu discurso de renúncia, na manhã de hoje, chorando. E aí?

E aí que isso virou um dos tópicos principais de sua renúncia na mídia estrangeira. "Thereza May cai em lágrimas", "Theresa May surta e chora". "Thereza May tem um ataque." E os vídeos de suas lágrimas são replicados mundo afora. O jornal "The Mirror" chegou a fazer um meme de suas lágrimas, dizendo que "a mulher robô era vista chorando."

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No Twitter, os britânicos praticamente só comentam o choro. Seus inimigos políticos (ela é uma persona controversa e odiada por parte da população) chamam suas lágrimas de "lágrimas de crocodilo". Dizem que ela queria, com o choro, que as pessoas tivessem pena dela. Uma blogueira inglesa, mais radical, escreveu: "Theresa May, garotas fortes não choram quando são primeiras ministras e renunciam." Epa! Como assim? Depois dos meninos não choram vamos ter uma nova regra, a de que mulheres fortes não choram?

Não sabemos se as lágrimas são de crocodilo e esse texto não é sobre Thereza May ser ou não uma boa política. A questão é: todo o mundo estaria repercutindo o choro de uma figura política de importância mundial dessa maneira se ela fosse homem?

O choro até poderia ser abordado. Mas seria de outro jeito.

Homem quando chora em público é "fofo", querido, comovente, uma graça. Obama, por exemplo, chorou ao anunciar uma medida para redução de armas nos Estados Unidos quando era presidente. Todo mundo se derreteu. "Ele é tão sensível".

Já mulher, quando chora, está, como foi escrito sobre May, tendo um "break down". Somos fracas. Loucas. Estamos surtadas. E, sejamos francas, o que não falta nesse momento do mundo é líder surtado pelo mundo. Por que essa pecha sobra sobre as poucas mulheres que existem na política?

Só para citar outro político controverso. Donald Trump, por exemplo, está quase sempre a beira de um surto. Não, não existe vídeo na internet usando essa palavra para definir o presidente americano que, segundo alguns médicos, sofre de problemas psiquiátricos. Mesmo com todos os seus ataques de má conduta, Trump não é chamado de histérico. Agora, imagina o que aconteceria se a Angela Merkel, a chanceler alemã, uma das mulheres mais poderas do mundo, saísse gritando por aí?

Merkel não chora

Angela Merkel, por sinal, é conhecida por sua secura. Ela não chora, não se abala. Nunca nem levanta o tom de voz. É uma pessoa que parece sempre estar em equilíbrio. E o que acontece com ela? Ora, o outro lado da moeda, é chamada de fria, durona, sem coração. O mesmo acontecia com ex-presidente Dilma Roussef, alvo de bullying constante e chamada de louca e desequilibrada até hoje.

Resumo da nossa situação: se um dia você chegar ao poder e virar, por exemplo, presidente do Brasil, sendo mulher, você não vai poder chorar (ou vai ser chamada de descontrolada). E também não vai poder nunca chorar (ou vai ser chamada de fria). Não é fácil.

 

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Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.