Síndrome Carlinhos Maia: estamos viciados em chorar e brigar na internet?
Nina Lemos
31/05/2019 04h00
Queria contar uma coisa para vocês. Vocês sabiam que é possível chorar sem fazer vídeo do choro, sem twittar que está chorando ou postar sua tristeza no status do Facebook com a hashtag #arrasada?
Vocês lembram que por muitos anos, inclusive, vivemos assim? Na era pré-internet, a gente brigava pessoalmente ou pelo telefone. Era assim também que fazíamos as pazes. Nos apaixonar ou nos desiludir também acontecia da mesma forma, sem câmeras e sem que postássemos vídeos.
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Por que lembro essas coisas tão óbvias? Oras, porque também sofro da doença do compartilhamento descontrolado, assim como grande parte da humanidade. E porque essa semana, vendo o assunto mais comentado da Internet (uma briga entre o humorista Carlinhos Maia e o youtuber Whindersson) não consegui evitar de pensar: muitos de nós estão cometidos da "Síndrome Carlinhos Maia".
Para quem não sabe. Carlinhos Maia é uma celebridade das redes sociais. Ele ficou famoso fazendo vídeos de humor no Instagram com a sua própria vida em uma comunidade, expondo a mãe, os amigos etc. Ele fez um roteiro com os personagens do local onde mora e alguns vídeos são bem engraçados. Hoje, dizem que ele é a pessoa que tem o Stories do Instagram mais assistido em todo o mundo. Não dá para confirmar, então muita gente questiona.
Carlinhos Maia casou semana passada em meio a muitas polêmicas online. Para resumir, ele teve uma briga com outro humorista, Whindersson, que passa por uma crise de depressão. Foi um MEGA barraco, feito, principalmente, pelas redes sociais. Depois de receber muitas críticas, Maia fez um vídeo onde aparece pedindo desculpas chorando. Ou, segundo os usuários da internet brasileira, fingindo o choro.
O Show de Trumman
Fato: Carlinhos Maia transformou a exposição da própria vida em um negócio, assim como muitas das celebridades da internet. Viver todas as emoções online faz parte do trabalho e é assim que eles pagam os boletos. É exagerado? É. Essas pessoas não conseguem mais separar a vida do trabalho (a parte que é exposta como personagem nas redes) da vida real?
Acho que não, o que me faz lembrar do filme "O Show de Trumman", onde um garoto vivia uma vida inteira em um mundo perfeito, que na verdade era um show de televisão. O filme, estrelado por Jim Carrey, além de ser ótimo, é muito claustrofóbico. Imagina a sua vida ser uma farsa para entreter a audiência! Que horror!
Mas… bem, será que a gente, que nem paga os boletos com vídeos que gravamos no Stories também não estamos sofrendo dessa síndrome de fazer de nossa vida um espetáculo para a audiência?
Se estamos tristes, postamos. Se estamos alegres, postamos. Normal, vivemos mesmo a era do compartilhamento, mas será que não estamos passando do ponto?
Falo por mim. Muitas vezes estou com raiva de alguém e minha vontade é correr e escrever isso nas redes. Meu lado mais sábio manda no meu lado diabinho e digo para mim mesma: "não faça isso". Em geral, funciona. Saio da internet e vou dar uma volta. Recomendo.
Desabafar na internet ajuda? Em alguns momentos, sim. Mas será que a gente deve expor até nossa raiva, nosso choro, coisas tão íntimas?
A internet toda ri do choro forçado do Carlinhos Maia. Mas será que a gente também não força a barra quando se fotografa triste, por exemplo?
Normal que a gente faça isso às vezes (afinal, #quemnunca). Mas será que não devemos maneirar e guardar algumas brigas, decepções e tristezas para a gente mesma ou para os nossos amigos mais próximos de vez em quando? Eu acho que sim.
No caso de briga ou desentendimento, fica uma dica para Carlinhos Maia, Whindersson, e quem mais quiser: ainda existe telefone. Sim, quando a gente fica chateado, com raiva, a gente ainda pode telefonar e conversar. Costuma funcionar. Mas não costuma dar muita audiência, isso é fato.
Sobre a autora
Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.
Sobre o blog
Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.