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Sororidade é ter que concordar e ser amiga de todas as mulheres? Não é, não

Nina Lemos

10/06/2019 04h00

Toda mulher tem que ser amiga de todas as mulheres. Como assim, vocês, mulheres, estão criticando outras? Cadê a sororidade? Vocês falam em sororidade, né? Mas na hora de entender a fulana, não praticam. Cadê as feministas para defender a sicrana?

Qualquer mulher que se diz feminista, e mesmo as que não se dizem, já deve ter ouvido esse tipo de cobrança. Como se, por ser mulher (e feminista) a gente não pudesse:

  1. Discordar de outras mulheres
  2. Não sentir que temos "a ver" com outras mulheres
  3. Não gostar de outras mulheres (sim, acontece, somos seres humanos individuais).

Sororidade vem de irmandade e é um termo muito importante para o feminismo. Significa, em outras palavras, tentar se colocar no lugar de outras mulheres que sofrem opressão. Como, por exemplo, não reproduzir atitudes machistas, como criticar uma mulher por causa da roupa curta que ela usa. E também se unir na luta contra as opressões que vivemos e combater a ideia de que mulher vive competindo (o que não é verdade).

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Mas será que temos, só pelo fato de sermos mulheres, nos tornarmos  "irmãs de todas as outras mulheres?" A idéia é muito bonita, mas, funciona na prática?

Para tentar entender essa confusão, o Blog convidou algumas feministas para discutirem e tentarem esclarecer essas questões.

Afinal, praticar a sororidade é se identificar e gostar de todas as mulheres?

"Não acho que devo defender todas as mulheres só porque elas são mulheres. O conceito é importante, e foi criado com a intenção de manifestar reconhecimento à condição de outras mulheres porque, na sociedade, sofremos muito preconceito, seja por causa do decote ou por causa do véu", explica a filósofa Marcia Tiburi, autora, entre outros livros, de "Feminismo em comum, para todos e todas"

Segundo ela, devemos ter cuidado para não ultrapassar os limites. Ou seja, achar que temos que gostar e defender todas as mulheres do mundo e assim criar uma outra cobrança para nós mesmas! Segundo a filósofa, achar que uma mulher tem que ser amiga de outra mulher, só por causa do gênero, é uma ideia: "fundamentalista."

Nem rivais, nem melhores amigas

Segundo a advogada Dina Alves, do Adelinas, Coletivo Autônomo de Mulheres Pretas, uma das principais utilidades da sororidade é combater o conceito da "falsa rivalidade feminina". Sim, estão nos livros, nos filmes e nas novelas centenas de exemplos de mulheres competindo, o que não é a realidade.

"A sororidade é uma idéia política. Cabe às mulheres se unirem, ao meu ver, sendo brancas ou negras, para lutarem pela emancipação de todas, pensando no coletivo. Isso não quer dizer que vou ser amiga de todas as mulheres. Há algumas que não estão do mesmo lado da luta que eu, pensam muito diferente de mim", ela diz.

Dina lembra uma parte bonita da sororidade, que pode ser praticada por todas nós. "Eu vejo coisas muito legais acontecendo. Faço doutorado na PUC e, lá, as meninas se organizaram para, por exemplo, sempre deixarem absorvente no banheiro para outras mulheres. Organizam pela internet grupos para que voltem juntas para casa, porque na rua corremos perigo. Acho isso muito bacana."

A feminista negra Vilma Piedade, autora do livro "Dororidade" (assim mesmo, escrito com D), diz que até gostaria de se identificar com todas as mulheres. Mas que, na prática, isso não acontece exatamente. "Me identificar com todas as mulheres é muito amplo. Somos muito divididas. São práticas, culturas e pautas diferentes. As opressões e os privilégios que alguns grupos de mulheres têm nos divide no cotidiano. Deveria bastar ser mulher para que eu me identificasse, mas nem sempre rola assim. Mas, por outro lado, o aumento do feminicídio, que mata só por ser mulher, faz com que eu me identifique com todas as mulheres", diz .

Unidas pela dor

A sororidade, segundo ela, "é um conceito muito importante, que ancora o feminismo e que deveria ser um elemento de união entre todas as mulheres. No entanto, não é isso que acontece sempre na prática". Isso significa que tudo está perdido e que o conceito não tem valor? De jeito nenhum!

"Nós, mulheres, estamos cada vez mais nos apoiando e nos unindo no sentido de fortalecimento", diz Vilma, que criou o termo "dororidade" por sentir que a sororidade não expressava tudo o que as mulheres negras passavam. "Sororidade é fundamental, mas como mulher negra, não me sentia contemplada totalmente pelo termo. Dororidade vem de dor. Porque, na minha concepção, o que une as mulheres é a dor. A dor provocada pelo machismo atinge todas as mulheres, mas, nós, mulheres pretas temos uma dor a mais. A dor provocada pelo racismo". Quem há de negar?

Resumo da conversa: sim, estamos nos apoiando mais, policiando nossas atitudes "machistas" e isso é muito importante. Mas, não, isso não significa que temos que ser melhores amigas de todas as mulheres, e que devemos sair defendendo todas elas em qualquer tipo de situação. Podemos divergir. Somos diferentes, aliás, como todos os seres humanos, não?

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Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.