Caso Glenn e David: até quando vão achar que chamar de gay é xingamento?
Nina Lemos
14/06/2019 04h00
Cadu Pilotto/ Revista Caras
"Viado!"
"Esse gay é namorado do deputado!"
"Esse gringo gay pensa o quê?"
Essas foram algumas das "ofensas" deferidas ao jornalista Glenn Greenwald e seu marido, David Miranda, nos últimos dias. Claro, as atenções do país todo estão voltadas para eles.
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Para quem mora em Marte, o jornalista Glenn, do site "The Intercept", tem divulgado uma série de reportagens que sacodem a Lava Jato e atingem vários poderosos da cena política do país. David Miranda, marido de Glenn, é deputado federal. Ele ocupa a vaga deixada por Jean Wyllys, de quem era suplente. Sim, eles são gays. E eu pergunto: e daí?
Se você não gosta deles, tem todo o direito de discordar do que dizem. Se desconfia do trabalho que fazem, nenhum problema. O mundo é feito mesmo de discordâncias.
Mas, bem, estamos em 2019. Ano em que, por exemplo, o primeiro ministro de Luxemburgo, Xavier Bettel é gay. E seu marido, Gauthier Destenay, causou reações positivas (sim, ainda existe salvação no mundo) quando posou em fotos junto com algumas principais primeiras damas do mundo, como Melania Trump e Brigitte Macron e a rainha Matilde, da Bélgica, em um encontro da Otam. E vocês continuam chamando as pessoas de gay de um jeito ofensivo?
Esse é o mundo de hoje. Sim, ele é colorido. Que bom.
Cada vez mais pessoas famosas (e não famosas) se assumem como gays (o que é ótimo). E vocês continuam mesmo achando que gay é xingamento?
Como disse Jean Wyllys em sua coluna, não precisa avisar para o Glenn e o David que eles são gays. Eles sabem! E eles têm orgulho disso. Os dois são casados, assumidos, e pais de dois filhos. Eles formam uma família, assim como Daniela Mercury forma uma família com sua esposa Malu Verçosa, como Nanda Costa é uma família com Lan Lahn. Como milhares de pessoas ao redor do mundo. Não tem nada, nada de errado nisso.
Claro que não é uma surpresa no país em que mais gays são mortos por crime de ódio no mundo, que a orientação sexual dos dois, e o fato deles formarem uma família, vire motivo para ataques. Mas não deixa de ser triste e lamentável que isso ainda aconteça.
Vale lembrar também que a criminalização da homofobia foi aprovada ontem pelo STF! Essa é uma grande notícia, que merece ser comemorada por todos aqueles que são contra a violência e acreditam no amor.
Ah, então eu não posso dizer que um gay é gay? Claro que pode. Eles também dizem que são gays, inclusive. O que não pode é usar a orientação sexual dos outros para agredir e assim propagar o ódio. E, sim, os dois já estão recebendo ameaças de morte. Uma delas, os chama de "gays pedófilos".
Se fossem duas mulheres casadas, seria igual. Sapatão! Cola velcro! Suvaco peludo!
Os deputados também dançam
Um dos ataques deferidos contra David Miranda é um vídeo em que ele aparece sem camisa dançando. E aí? É errado dançar? Mas isso é atitude de deputado? Bem, pelo que a gente sabe deputados fazem coisas horríveis quando estão trabalhando (com o salário pago com nossos impostos). Dançar (e bem, no Carnaval, em um momento de lazer) seria algo errado?
Achar que alguém dançar sem camisa é um crime chega a ser engraçado.
Mas o assunto é sério quando vira munição para ódio, ameaças de morte e ataques contra a integridade física das pessoas.
Agora, quanto ao fato de gays (e mulheres!) ocuparem mais e mais lugares de destaque no mundo, os odiadores de plantão vão ter que se acostumar. Não tem mais volta. Cabe aos preconceituosos se acostumarem. Ou espumar ódio. Porque não vai mudar. Aceita, gente!
Sobre a autora
Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.
Sobre o blog
Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.