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E se Marielle não tivesse sido morta? Amigos respondem e celebram legado

Nina Lemos

14/03/2020 09h30

Ninguém duvida que Marielle Franco tinha um futuro brilhante. A vereadora cumpria seu primeiro mandato quando, há dois anos, foi assassinada brutalmente no Rio de Janeiro. Apesar de sua história incrível como ativista, ela estava, sim, apenas começando, pelo menos na política. Onde essa mulher poderia ter chegado? Marielle poderia um dia ser nossa presidente?

E se esse assassinato brutal não tivesse acontecido? Como estaria Marielle hoje? O que teria acontecido com o Brasil se esse crime não tivesse sido cometido? O Blog convidou amigos da vereadora e ativistas para falar sobre seu imenso legado e também sobre o que poderia ter sido, de Marielle e do Brasil, se aquele terrível 14 de Março não tivesse acontecido. Marielle presente!

Jean Wyllys, ex deputado do PSOL, jornalista, escritor e amigo de Marielle

"Imaginar como seria o Brasil se o 14 de março não tivesse acontecido é difícil. Talvez Marielle não tivesse se convertido num símbolo internacional como ela se converteu, mas com certeza ela seria uma política mais conhecida do que ela era na época. Ela seria uma forte candidata nas eleições de 2020 e talvez estivesse disputando uma vaga entre os prés-candidatos do PSOL. Ela seria um nome muito poderoso.

É cruel pensar que a conversão da Marielle como símbolo da luta por igualdade de gênero, da luta anti-racista, se deu no próprio assassinato. Isso é uma coisa que a gente enxerga com dor. A interrupção dela mostrou a força que ela tinha. É como aquela metáfora, ela foi transformada em várias sementes. O que a gente tem como consolo é que ela se converteu nessa força. Eles achavam que iam imobilizá-la, mas, ao fazer isso, eles aumentaram a potência dela. Isso consola.

Eu elaboro intelectualmente sobre Marielle, eu penso, eu entendo o significado. Mas penso nela como uma pessoa, a pessoa que ela era. Ela queria para si e para o mundo dias melhores. E com certeza não queria morrer. Eu lembro do riso dela. É difícil. Depois do seu assassinato, ela virou também um símbolo muito forte na luta contra a homofobia, porque ela era casada com a Mônica Benício. Por isso mesmo gostaria de acrescentar que é muito injusto, e sintoma de uma homofobia estrutural e sistêmica, alguns ataques que aconteceram na imprensa comercial com fake news à esposa de Marielle por causa de séries da Globo. É abjeto, na verdade." 

Arquivo Pessoal

Tainá de Paula, arquiteta, foi grande amiga de Marielle e candidata a deputada estadual com o apoio dela. É candidata a vereadora no Rio de Janeiro.

"A Marielle continuaria sendo imagem e referência para as mulheres na política, continuaria nos incentivando, conversando, dando força. Ela tinha o hábito de abrir o gabinete dela para fazer formação política de novas lideranças. Para discutir o futuro da política, não só o dele, mas o de todas nós. Ela dialogava com mulheres de diferentes partidos, cis, trans, principalmente negras. Isso que ela fez foi maravilhoso. Ela estaria lutando para abrir espaço para mulheres na política.

Falando mais sobre seu legado político, certamente estaríamos discutindo sobre seu nome para a Prefeitura do Rio de Janeiro. Teríamos um outro cenário, a discussão seria em outro patamar. A Marielle crescia muito politicamente. Ela tinha muita preocupação com a disseminação da voz das mulheres negas. Esse é um legado gigante que ela dá para mulheres na política como eu: como a gente faz uma nova política, sem ser egóica e pensando no outro, assim como ela fez com a gente."

 

Marcia Tiburi é escritora, filósofa, ativista e era amiga de Marielle

"O assassinato de Marielle inaugura o período de pesadelo. Tudo que vem depois faz parte desse pesadelo. Se Marielle não tivesse sido assassinada, a gente ainda teria democracia, civilidade. O assassinato de Marielle me lembra o de líderes importantes da história. Na história da América Latina, por exemplo, assassinatos de líderes indígenas eram políticos e serviam para humilhar o povo indígena. Esse assassinato foi feito na calada da noite, mas não tanto. Nós sabemos que existe um uso político dessa narrativa sobre esse crime. Os assassinos não deveriam ter aparecido. A morte de Adriano da Nóbrega é prova disso.

Houve no assassinato da Marielle um ódio à pessoa dela, em tudo que ela teve de intelectual, de generosa, engraçada, maravilhosa. Era uma mulher completa. Era alta, bonita, grande em todos os sentidos. E isso assustava esses homens fracos. E quem a matou não sabia que estava matando uma pessoa tão importante. Eu conheci a Marielle na política, da militância. Poucos dias antes de morrer, ela me mandou um parágrafo elogiando o meu livro. Ela era esse tipo de pessoa, esse tipo de amiga.

Sempre chamei a Marielle de minha prefeita, minha governadora, porque ela seria isso. Ela queria ter sido senadora pelo Rio de Janeiro. Esse era o desejo dela antes de ela ser ceifada por esses homens brancos. 

Eu fico muito tocada [emocionada] A gente vai continuar deixando a imagem da Marielle forte, mas tão forte, que um dia a gente vai conseguir ressignificar isso tudo."

 

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Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.