Ataque a Adnet após abuso mostra que machismo é cruel também com homens
Nina Lemos
17/04/2020 04h00
Estevan Avellar/ Globo
Você conhece alguém que tenha sofrido abuso sexual na infância? Se você é mulher, provavelmente sim. Infelizmente, fazemos parte de terríveis estatísticas. Meninas, segundo o Ministério da Saúde, sofrem 75% dos abusos registrados no Brasil. Também aprendemos a falar mais sobre isso… Só que homens também sofrem essa violência terrível: um a cada quatro registros no país.
Especialistas acreditam que o número de homens abusados deve ser maior do que o relatado por um motivo: se já é muito difícil para mulher relatar a violência, para homem pode ser ainda pior.
Veja também:
- Caso Prior: por que ler relatos de abuso sexual é "gatilho" para mulheres?
- Casos de Victor e de goleiro Jean mostram o que acontece com agressor: nada
- "Quem mandou casar com velho?" Ataque à Luisa Mell mostra epidemia de ódio
O ator e comediante Marcelo Adnet, com muita coragem, tem representado essa minoria silenciosa e quebrado um tabu. Na semana passada, ele disse, em entrevista à revista Veja, que sofreu abusos na infância por parte de um caseiro e um amigo da família, quando tinha sete e dez anos. Depois de anos de silêncio, dor e muita análise, ele conseguiu tocar no assunto publicamente sem se sentir, por exemplo, culpado.
A atitude de Adnet é muito corajosa e merece aplausos. Justamente porque, para homens, admitir um abuso pode ser visto como uma prova de "não virilidade", como se uma criança escolhesse passar por isso.
Sim, a masculinidade tóxica é muito ruim para os homens. E uma prova disso é que, depois de quebrar esse enorme tabu e contar sua história, Adnet passou a sofrer ataques sistemáticos. Em entrevista ao programa "Saia Justa" na quarta-feira, o ator disse que sofreu ataques "baixos e cretinos". "Para o menino, quando ele é abusado, dizem que é baitola, veado, que tomou porque gostou", disse Adnet.
Sim, um homem abusado é vítima de ataques machistas e homofóbicos. E por isso mesmo é tão difícil que eles tenham coragem para denunciar. Na internet, Adnet teve que ler coisas do tipo: "Ah, logo ele se assume". "Ah, ele gosta de dar a rosca", entre milhares de outras baixarias. Como se por ter sido vítima, ele tivesse se tornado gay. E, bem, e se ele fosse, qual o problema? Ele seria, exatamente do mesmo jeito, um cara que sofreu abuso sexual na infância.
Mulheres, quando abusadas, ouvem que "provocaram", que estão "inventando". Marcelo tem sofrido acusações parecidas. No caso de abuso, seja homem ou mulher, se culpa a vítima. "Ah, mas ele só quis aparecer", dizem alguns. Como se alguém fosse tocar em algo desse tipo para ganhar fama. O que Adnet faz é superar o que passou e prestar um serviço a todos nós.
Ainda na entrevista de ontem, ele disse que percebeu que existe uma "epidemia" de abusos e que passou a receber relatos. A causa que o comediante abraça com tanta coragem é muito importante. Ao invés de ser atacado, Adnet devia ser reconhecido como um dos artistas mais corajosos do Brasil. Que outro famoso já teve a coragem de denunciar algo assim? Entre mulheres, Luana Piovani e Xuxa já. Entre homens, o silêncio costuma imperar. Que eles comecem a falar. Os meninos agradecem.
Sobre a autora
Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.
Sobre o blog
Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.