É legal que influencers postem contra racismo? Sim, mas sem hipocrisia!
Nina Lemos
04/06/2020 04h00
A comunicadora Tiê Vasconcelos: "postar pelo hype é desonesto"
Ano passado, o influencer e ator Thomaz Costa, que tem mais de seis milhões de seguidores, fez um série de stories racistas em seu Instagram. Acompanhado por amigos, ele filmou enquanto fazia debochava de um rapaz negro desconhecido em um restaurante. Ao mesmo tempo, uma das pessoas que acompanha Thomaz teria chamado o rapaz filmado de favelado. Na época, o preconceito duplo foi notado por seguidores. Na quinta-feira, Thomaz postou um quadrado preto no Instagram e escreveu :"blackout tuesday". O movimento surgiu com a ideia de que as pessoas postassem uma imagem toda preta em solidariedade aos protestos do movimento "Black Live Matters" (Vidas Negras Importam) dos Estados Unidos. Desde o começo da semana, após a divulgação de um vídeo de um policial branco asfixiando até a morte George Floyd, um homem negro de 46 anos, em Minnesota, onda de indignação tomou conto do país, daí o mote da campanha nas redes sociais.
Thomaz é apenas um dos muitos influenciadores que foram "expostos" pela comunicadora Tiê, no Twitter. Entre eles, estava também o cantor Biel, acusado de racismo várias vezes. Ele já disse, por exemplo, coisas como "A Taís Araújo é linda, mano, a única morena, negra, sei lá, que eu acho bonita." Em outra ocasião, postou "bom dia, negros fedidos". Sim, horrível. E o que ele fez na terça-feira? Postou um quadrado preto com a tal hashtag.
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A jornalista expôs também muitas blogueiras de moda, que não costumam se posicionar contra o racismo e, até pelo contrário, dizem que são contra cotas nas universidades.
"O que eu percebo é que quando o movimento pega na rede, a galera começa a querer fazer parte do hype para não pegar mal. O que acontece em redes sociais é o seguinte, quando você se posiciona socialmente constantemente, você perde muitos seguidores. Quando você se posiciona no hype, quando todo mundo está fazendo, passa a ideia de ser uma boa influencer. Isso que comecei a questionar", diz Tiê, que é colunista da rede Voz da Comunidade.
Isso significa que as pessoas brancas não devem postar tags e imagens contra o racismo? Claro que não! Mas não adianta ir só na modinha e tem que ter atitudes condizentes no dia-a-dia.
"Você não é obrigado a se posicionar mas fazer isso só para não perder números e não passar por isentona é desonesto. Para você ter uma ideia, elas estavam usando a hashtag para gerar engajamento de publicidade."
Ela lembra de fatos que não devíamos esquecer nunca: "A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. Na última semana o João Pedro foi assassinado com um tiro nas costas. E isso aí não é hype. Como pode?"
A hipocrisia que Tiê apontou é incontestável. Muito fácil ter atitudes racistas (ou simplesmente não ter atitudes contra o racismo) e, um dia no ano, postar um quadrado preto nas redes sociais por que pega bem, certo?
Ah, mas então as pessoas não podem mudar, melhorar? Sim, podem! E é por isso mesmo que falar sobre racismo é tão importante. Agora, vocês acreditam mesmo que todas essas pessoas acordaram um dia mudadas? Sério? Seria bom. Mas é difícil de acreditar.
"Ah, mas então você está falando que não devemos apoiar as lutas anti-racistas nas redes sociais?" Claro que não! Claro que devemos. O que não é legal é ser hipócrita, certo?
Um exemplo muito legal de como os influenciadores brancos podem fazer diferença: O ator Paulo Gustavo cedeu por um mês sua conta no Instagram para que a filósofa Djamila Ribeiro passasse a mensagem contra o racismo para mais pessoas – ele tem cerca de 13.5 milhões de seguidores na rede social. "Vamos visibilizar as vozes que sempre falaram, mas não foram ouvidas! Vamos aprender juntos? Essa é uma luta de todas e todos! Conhecer e entender o racismo no país é nossa responsabilidade política!", postou o artista. Que sirva de inspiração para outros irem muito além da tal tela preta…
Sobre a autora
Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.
Sobre o blog
Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.