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Para feministas, Sara Winter não é "ex-feminista" porque nunca foi uma

Nina Lemos

16/06/2020 04h00

Reprodução/ Twitter

"Ativista", "ex-feminista": esses são alguns dos termos usados para designar a militante de extrema-direita Sara Geronimi, que se autointitula Sara Winter. Sara foi presa ontem em um inquérito que apura manifestações antidemocráticas. Ela é uma das líderes do grupo "300 do Brasil", que admite, entre outras coisas, ter membros armados e prega ações contra a democracia, como a volta do AI-5.

Chamar Sara de ex-feminista não deixa de fazer sentido. Afinal, a primeira vez em que ela apareceu na mídia foi como membro do Femen, grupo que foi criado em 2008 na Ucrânia e que luta contra o sexismo e homofobia. As integrantes do Femen ficaram famosas por protestarem tirando a roupa. Sara, foi, de fato, uma das fundadoras do Femen brasileiro e ganhou fama de feminista. Durou pouco.  Em 2012, ela viajou para a Ucrânia para conhecer o grupo. Em 2013, já no Brasil, foi expulsa da organização. 

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Daí para a frente, Sara foi virando uma conservadora radical (ela chegou a trabalhar com a ministra Damares Alves, como uma fervorosa militante anti-aborto). Radicalizou ainda mais, passou a pregar o uso de violência e deu no que deu.

Agora, existe "ex-feminista"? Será que ela mudou tanto assim? Será que Sara foi, de fato, uma feminista?

O blog convidou a filósofa e escritora Márcia Tiburi, autora do livro "Feminismo em comum" e a professora Lola Aronovich, autora do blog "Escreva, Lola Escreva",  para responder essas perguntas.

"Como feminista, me incomoda muito que Sara Winter, hoje abertamente antifeminista, se defina (e seja definida por muitos) como ex-feminista. Mentirosa como é, ela inclusive se vende como ter sido a maior feminista do Brasil e ser pioneira do feminismo no país. Nada mais longe da verdade. Isso é um total desrespeito às mulheres que lutam por direitos há décadas. Sara nunca foi feminista. Pelo contrário: em 2011, ano da primeira Marcha das Vadias, ela criticou manifestantes por saírem às ruas com pouca roupa ou "roupa de puta". Menos de um ano depois, ela decidiu fazer exatamente o que desdenhava: inaugurou o Femen no Brasil, modelando o Femen Ucrânia. Na mesma época que Sara atacava as feministas da Marcha das Vadias, ela seguia comunidades integralistas e nacionalistas no Orkut. Algumas mais suaves eram "Odeio o PT", "Resistência Anti-Comunista", "Amo a Rota", "Sou fã de Jair Bolsonaro".  Durante seus 15 e 16 anos, Sara fotografava bandas nazis e as entrevistava. São bandas abertamente racistas, antissemitas, anti-comunistas, de orgulho branco, de alimentar o ódio. Nessa época ela já tinha uma cruz de ferro tatuada no peito e já adotava o nome artístico de Sara Winter, homenagem a uma espiã nazista. Sara fez uma carreira lucrativa em cima de ter sido feminista. Nas palestras e testemunhos, ela diz que se curou do feminismo e que se arrepende. Nunca, porém, pediu desculpas por ter sido sido nazista. Depois que foi expulsa do Femen, ainda em 2012, por desvio de verbas, Sara continuou tentando usar a marca, mas foi proibida pelo Femen Ucrânia, que encerrou suas atividades no Brasil. Depois, seguiu um período perdida, em que gravou vídeos chorando dizendo odiar todos os homens, fez campanha para fazer parte do BBB (não foi aceita), gravou um comercial para o Dia dos Namorados com seu então noivo, um militar. Em 2015 ela já era cristã. Em 2016 já voltara a ser uma fiel apoiadora de Bolsonaro. Em 2018 tentou ser eleita deputada federal pelo DEM. Com pouco mais de 17 mil votos, não se elegeu. Agora está aí fazendo tudo que estamos vendo. A estratégia é a mesma do Femen: chamar a atenção a qualquer custo e ser presa. Sara nunca foi feminista e nunca deixou de ser de direita. Até quando estava no Femen fazia homenagens a Margaret Thatcher. Ela apenas se desviou momentaneamente do seu curso. Desde 2015 voltou às suas origens." Lola Aronovich, professora da UFC e blogueira feminista.

"Eu lembro dela na época do Femen. Ela foi muito xingada na época por aparecer nua, fazer aquelas performances. Fiquei com pena dela quando sofreu os ataques na época. Mas ela não era uma feminista, ou seja, uma pessoa que defende os direitos das mulheres. Quando ela deu essa guinada anti-feminista,  pareceu também uma virada oportunista. A extrema-direita gosta de capturar personagens que podem servir de pivô para eles. Como o sujeito que é negro e é racista, a mulher que é antifeminista. Essas pessoas ganham empregos, dinheiro. A extrema-direita usa o desnorteio. O papel da Sara é interessante. Ela era uma menina fashion, tatuada, que se dizia feminista. Hoje, faz um efeito de performar esse desnorteio do "antifeminismo". Ela encara um herói perturbador, que deixa as pessoas sem parâmetro."  Márcia Tiburi, professora de filosofia e autora do livro "Feminismo em comum"

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Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.