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Nina Lemos

Olivier Anquier diz que pandemia é histeria. Ele tem notícias da França?

Nina Lemos

18/03/2020 12h35

 

Reprodução

Enquanto muitos empresários do Brasil e do mundo entendem a situação urgente porque passamos (Hello, estamos em uma pandemia mundial! Uma situação de emergência), algumas pessoas (tipo nosso presidente) preferem optar pela cegueira. O empresário Olivier Anquier é um desses. Em post essa semana nas redes sociais, ele publicou um textão onde dizia, entre outras coisas, que não era rebanho e não aceitaria uma "paranoia injetada a força".

Se fosse só o discurso, tudo bem, cada um pensa como quer. O problema é que Olivier é dono de uma rede de negócios. Ele tem padarias e restaurantes espalhados pelo Brasil. Ou seja, ele emprega pessoas, ele é o chefe. Não dá para fazer home office se você trabalha em padaria, certo? Muitos empresários conscientes estão fazendo rodízios de funcionários ou fechando as portas por um tempo, oferecendo delivery, se adaptando. Enquanto isso, Olivier, que ainda tem programa de TV e influencia muita gente, disse o seguinte: "Me recuso a abandonar os meus clientes que saíram de casa e foram nas minhas padarias e restaurantes. Faço questão de ser presente e cumprimentar cada um deles."

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Se Olivier ainda não entendeu, a gente explica para ele.  A orientação da Organização Mundial de Saúde (não sou eu que estou falando) é que as pessoas fiquem em casa o máximo possível. Será que os funcionários de Olivier vão ter a mesma oportunidade? Para chegar ao trabalho, as pessoas têm que pegar transporte público, que estão lotados e são locais altamente propensos ao contágio! Será que os funcionários podem optar a seguir a onda negacionista do patrão? Difícil imaginar.

 Quando pensa em oferecer o "pão aos clientes", Olivier, além de ignorar quem trabalha com ele e vai além, diz que não vai abandonar os clientes que saíram de casa. 

Querido Olivier, estamos nos esgoelando, pedindo para que as pessoas não saiam de casa e você vem com essa? Quanto ao cumprimentar, Olivier parece estar aprendendo com o presidente do Brasil, que está sendo criticado em quase todas as frentes no país (e no mundo) por ter ignorado a quarentena e ter saído para cumprimentar pessoas em uma manifestação de apoio a ele mesmo. Não é para cumprimentar as pessoas com aperto de mão ou proximidade. Qualquer pessoa com o mínimo de seriedade sabe disso! E vem uma pessoa bem formada, chique, aparentemente inteligente e diz uma coisa dessas?

Será que Olivier, que é francês, tem falado com seus parentes e amigos na França ou ao menos lido os noticiários? Se não, e se por acaso esse texto chegar a ele, eu informo: na França, são quase 8 mil casos enquanto escrevo.  O número de mortes chega a 175. Para saírem de casa, as pessoa precisam preencher um papel, senão correm o risco de pagar uma multa de 206 euros. O comércio todo está fechado. Só abrem mercados e farmácias. Isso porque, repito, muitas pessoas estão morrendo!

O padeiro chique disse também que não seguiria a manada porque os casos no Brasil eram apenas 200 (ele postou na segunda-feira).  Olivier, na França, em 15 de fevereiro, o registro eram de 15 casos. Enquanto escrevo, repito, os números são de quase 8 mil! A epidemia espalha rápido. E não, não é exagero ou paranoia. Seus conterrâneos sabem disso. Inclusive o presidente do país onde você nasceu disse que é uma guerra. 

Ouça seu presidente, Olivier. E pregue aqueles ideais de que a França tanto se orgulha. É tempo de solidariedade e fraternidade. Coisa que muitos empresários do Brasil já entenderam (até a Globo abriu seus canais fechados para que as pessoas possam se informar!). Não de pregar desinformação e pensar em lucros. Repense. Ainda dá tempo. Senão, além de perder a credibilidade (será que ainda não perdeu), além de tudo, vai perder clientes… Não, gente, não apertem a mão do Olivier. Nem a mão de ninguém. É tempo de ajudar de outras formas….

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.