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Nina Lemos

Se Bolsonaro fosse anônimo em país sério, seria considerado péssimo cidadão

Nina Lemos

16/03/2020 12h18

Felipe Pereira/UOL

"Mantenham distância social. Em vez de apertar as mãos, olhe nos olhos por mais tempo." "Manter distância hoje é mostrar solidariedade".  As frases foram ditas quarta-feira passada por Angela Merkel, chanceler da Alemanha, em uma conferência para a imprensa. Ela fazia um apelo para que os alemães respeitassem a distância social, pensassem nos outros e saíssem de casa o menos possível para tentar brecar o crescimento do coronavírus. No momento, a Alemanha tem mais de 6 mil infectados, 

Merkel não é a única a apelar para que cidadãos sejam responsáveis e não saiam na  rua. Enquanto a crise eclode na Europa, com vários países fechando fronteiras e expondo restrições no dia-a-dia das pessoas,  Emannoel Macron, na quinta-feira, fez um apelo emocionado em rede nacional clamando pelos valores de solidariedade do país.  

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O que esses líderes mundiais diriam para o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que depois de ter contato com 12 infectados por Coronavírus, não só saiu na rua sem máscara, como apertou a mão de pessoas, tirou fotos, abraçou? Ontem, antes de sair, ele já incentivava pelo Twitter a população a ir ás ruas participar de manifestações em seu apoio, postando fotos de diversos atos. 

Se o presidente do Brasil estivesse morando na Europa,  no Canadá, na Austrália e em outros diversos  lugares acometidos pelo vírus e que enfrentam a pandemia com seriedade,  ele seria considerado um péssimo cidadão. 

Em um momento em que as pessoas são alertadas por autoridades de saúde a evitar aglomerações (elas estão proibidas em todos os países da Europa), o incentivo do presidente poderia até ser um crime. Sim, se alguém resolver fazer uma manifestação em países que estão lidado com explosões de casos de coronavírus nas ruas, a polícia vai chegar e mandar as pessoas para casa. Sim, se Bolsonaro estivesse, como cidadão comum, em um país que está levando a crise a sério ele poderia até ser preso.

Em entrevista ontem para CNN Brasil, o presidente disse, entre outras coisas, que "não podemos entrar em uma neurose como se fosse o fim do mundo. Há um interesse econômico para que se alimente essa histeria." Pois é, enquanto o mundo chama por união, tenta convencer os mais jovens de que não é brincadeira, Bolsonaro chama a pandemia de "histeria". Alguns adolescentes pensam o mesmo, e os governos trabalham para convencê-los do contrário.

E como assim interesse econômico? O presidente está alimentando fake News, teorias conspiratórias. As mesmas que, seus colegas líderes de outros países estão preocupados em combater! 

Vai para a rua?

O presidente também desafiou políticos que o criticaram, como os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado,  Davi Alcolumbre.  "Saiam às ruas e vejam como vocês são recebidos." Desafiar alguém a sair na rua? Não, nesse momento todos clamamos (mesmo nós, pessoas normais, que não são presidentes) que as pessoas FIQUEM EM CASA.

Não, não é possível que a Organização Mundial de Saúde, líderes e ministros de todos os países estejam errados e o presidente do Brasil esteja certo. E, claro, ao fazer isso, ele dá o (péssimo) exemplo. Se o presidente está de boa, por que devo me preocupar?

Suas declarações são perfeitas para serem usadas por admiradores que não acreditam no vírus. "Ah, como disse o Bolsonaro", isso é neurose",  diz seu tio pelo WhatsApp, que insiste em não mudar seus hábitos ou desmarcar um churrasco. O que fazer?

 

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.