Topo

Nina Lemos

No país do topless proibido, peito de fora é mais do que "querer aparecer"

Nina Lemos

16/02/2018 10h07

"Nunca me senti tão livre e elegante em toda a minha vida". Quem me conta é Fafi Prado, de 47 anos, atriz, educadora, mãe de um menino de 8 anos. Fafi está falando do Carnaval, onde desfilou no bloquinho do seu bairro, em São Paulo, com os peitos completamente desnudos. Fafi não é uma celebridade famosa. Ela, como centenas de mulheres Brasil afora, aproveitou o Carnaval para experimentar essa liberdade.

Vendo o Carnaval de longe, notei esse fato inimaginável para mim: mulheres de todas as idades pelas ruas do Brasil com os peitos de fora, usando os adesivos que viraram moda ou nada mesmo, caso da minha amiga Fafi.

Não, não foram só a Bruna Marquezine e a Cleo Pires, foram moças "normais", como eu, você, sua irmã.

"Elas só querem aparecer", diz alguém nos comentários. E eu respondo: acho que é mais do que isso. Em um país em que existe concurso de tapa-sexo e de virilha malhada e ao mesmo tempo o topless (o simples fato de ir à praia sem a parte de cima do biquíni) é proibido, os peitos de fora devem significar alguma coisa, sim.

Joga pedra na Geni

Desde que sou criança, lembro do escândalo causado quando algumas mulheres modernas decidiam ir à praia fazendo topless no Rio de Janeiro. Elas eram atacadas, algumas com pedras (taca pedra na Geni!) e levadas para delegacias em carros de polícia. Como assim? Parece história da idade da pedra. Mas não é.

Enquanto estamos discutindo o peito da Bruna Marquezine, o topless ainda é proibido no Brasil e mulheres enfrentam problemas até com o simples ato de amamentar em público.

Morando na Alemanha, uma das coisas que mais causam estranheza nas pessoas sobre ser mulher no Brasil é o fato do topless ser proibido. "Mas no Brasil, o país do Carnaval, de todas aquelas pessoas peladas?", me perguntam. E eu respondo com a cara de "pois é" que esse assunto sempre me causou. Na Alemanha, diga-se de passagem, tomar banho de mar pelado é normal e isso engloba pessoas de todas as idades. São famílias inteiras. E não, não existe conotação sexual. Topless, então, nem se fala. É o normal.

Mas por que essa pequena insurreição no Carnaval?

"Acho que, nós, mulheres, estamos vivendo um momento de consciência em relação aos nossos corpos como ferramente política", diz Fafi, que percebeu pela primeira vez o fato nas manifestações feministas de 2015. "Em uma marcha pela legalização do aborto, vi várias mulheres se desnudando publicamente. Algumas de sutiã, outras com o peito de fora. Mas todas fortalecidas uma pelas outras. Era muito forte. No grupo, a gente se sente protegida. O pudor que a gente aprende a sentir desde cedo é na verdade uma defesa real para o medo de sermos agredidas", diz.

O grupo fortaleceu também a publicitária Lalai Persson, de 44 anos, a ficar sem sutiã em público pela segunda vez na vida."Eu já fui ao bloco com essa vontade porque era um bloco feminista, o Pagu. E eu estava pensando, puxa, 50 anos depois de terem queimado sutiãs, o mamilo ainda é um tabu no Brasil. Eu sempre fui tímida. Sempre os escondi. A primeira vez que mostrei foi em um festival de música, o Afrikaburn, mas estava no meio do mato, protegida. Mostrar o peito no meio da rua em São Paulo, que faz parte de um dos países mais hipócritas e moralistas que conhecemos, para mim era uma provocação e tanto."

A coragem veio pelo grupo. Ao estar com as amigas, juntas, veio aquela vontade e tiramos. Veio uma sensação incrível de libertação. Se estivesse sozinha, não teria tirado o top que vestia. Uma amiga puxou a outra. Foi lindo."

E que mensagens essas moças queriam mostrar?

"Acho que passamos várias mensagens ali, mas a mais importante delas é a liberdade de expressão e a igualdade entre os sexos. Somos bloqueadas nas redes sociais, podemos ser presas em várias lugares (inclusive no Brasil) se mostrarmos os mamilos. Até quando vamos ser censuradas por lutarmos pela liberdade feminina?", diz Lalai. "Temos que ter a liberdade de criar a narrativa que quisermos com o nosso corpo, isso é extremamente subversivo, diz Fafi, que, no Carnaval, recebeu o que considera um presente. "Uma mulher pediu para tirar uma foto comigo e disse: parabéns, eu ainda chego lá. Isso me deixou extremamente emocionada. Ganhei meu Carnaval."

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.