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Nina Lemos

Empresa alemã lança “salsicha do 7 a 1” e é acusada de racismo

Nina Lemos

25/06/2018 10h38

Quando uma amiga me mandou a foto de um pacote de salsicha com seis salsichas brancas e uma preta escrito em destaque "7 a 1" e frases em alemão, achei que era um meme, claro. Os alemães, com sua fama de sérios, não teriam tempo para isso. Chequei no site da empresa Grillido: era verdade. A marca lançou pacotes especiais para a copa. E, entre eles, está lá, o 7 a 1, que contém 7 salsichas brancas representando a Alemanha  (feita de carne de porco) e uma preta representando o Brasil (feita de carne de vaca) A ideia, segundo eles: "Se divertir lembrando desse dia histórico fritando o Brasil". Engraçado. Só que não. Pelo menos para mim, brasileira vivendo na Alemanha.

Aqui se faz, aqui se paga. E a empresa gerou uma polêmica danada com a "brincadeirinha". Eles foram acusados de racismo e, até agora, estão se explicando nas redes sociais. Confesso que, à primeira vista, ri da foto e achei a brincadeira engraçada. Depois, fiquei com raiva (que provocação barata, rir da desgraça dos outros!). E depois de debater com vários amigos, achei que era racista, sim. Ou, no mínimo, um humor tipo "dã", como disse uma amiga.

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Fato. A questão fez a empresa ser detonada pelos próprios alemãs, que tretaram no Twitter, acusaram a empresa de ser racista e pediram boicote aos produtos da marca. "A Grillido resolveu fazer piada com o 7 a 1 sendo racista; boicotem essa marca, enfiem essas salsichas no  c*",  escrevou no Twitter um grupo de esquerda alemão.

"Não acredito, estão discutindo racismo por causa da cor de salsicha", respondeu outra. Em seu site, a empresa se apresentou como "uma jovem startup" (como se isso fosse desculpa para alguma coisa, tipo, sou moderno, sou imune) e disse que a salsicha era preta por ser tipicamente brasileira, feita de carne de boi.

Não colou: "Isso é salsicha com sabor de queijo gorgonzola, isso não é tipicamente brasileiro!", respondeu um alemão. Sim, tretar na internet é universal.

7 a 1 a quatro euros

Será que eles teriam tirado do mercado? E será que realmente existia essa coisa para vender ou era só  jogada de marketing.

Pois bem, vesti uma camiseta do Brasil no dia da vitória do Brasil contra a Costa Rica e fui a um supermercado popular em Berlim em busca da bizarrice. Lá estava, na seção de "wurst" (salsichas e linguiças alemães) dezenas de pacotes com a imagem de um 7 a 1 estampado e um desenho de brasileiro de joelhos chorando (queridos, na verdade, a gente riu, tive vontade de berrar) ao lado de salsichas normais. Ela ainda era cara: 4 euros, quase 20 reais, mais que o dobro que as salsichas normais.

Peguei o meu pacote e fui para a fila. Sim, eu paguei por isso em nome desse blog e a salsicha está na minha geladeira e não sei o que fazer com ela (além de tudo, sou vegetariana).

Na fila, mostro o pacote para um jovem alemão com cara de torcedor e digo. "Sou brasileira. O que você acha disso?"  "Na-Ya, Na-ya", ele responde, o que significa algo como "bem…bem… bem…". "Você acha engraçado?", insisti. "É… dã… Engraçado.. Esse jogo foi legal." "É, mas ontem a gente ganhou", respondo, já incorporando uma criança de 7 anos. "Sim, 2 a 0 da Costa Rica", ele responde, sem demonstrar nenhuma emoção.

Exibo a salsicha para a moça da caixa e, de novo, repito que sou brasileira e pergunto o que ela acha da brincadeira. "Legal", ela diz sorrindo. Ou seja: ninguém riu da minha cara, ninguém discutiu comigo, ninguém fez piada, ninguém falou que era errado. Ninguém teve reação.

Isso  para mim foi o suficiente para sair de lá reforçando meu pensamento de que tudo bem que a gente perdeu no futebol de 7 a 1, porque pelo menos a gente riu muito disso. Eles tentaram ser engraçados. A bola, acho, bateu na trave. É isso que acontece quando alemão tenta ser engraçado (desculpem, estamos em clima de copa do mundo, não resisti).

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.