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Nina Lemos

Marido de Pink ensina filha de 7 a atirar. E se pegar no Brasil?

Nina Lemos

02/02/2019 04h00

Ela tem 7 anos, mas atira super bem. Não, não estou falando de uma criança em zona de guerra, ou de uma área de tráfico no Rio de Janeiro. Mas de uma menina rica, filha de uma pop star. Sim, na semana passada, o marido da cantora Pink, o ex piloto Carey Hart, causou choque no mundo ao postar uma foto da filha de 7 anos, toda fofinha, de rosa, atirando com um rifle.

Ele postou o vídeo no Instagram e disse que ensinava os filhos a lidar com arma de fogo com responsabilidade, a guardar, limpar, e que conhecimento era poder. Segundo ele, a garotinha aprendeu a atirar com 3 anos de idade. Mas, vejam bem, só por esporte. Eles não caçam. Ufa.

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Bem, pais só precisam ensinar crianças a cuidar de armas e a guardá-las se essas crianças têm arma em casa, certo? O pai, no caso, diz que atira por esporte (até aí, problema dele, desde que ele mantivesse as armas longe das crianças).

Claro que a atitude dele gerou polêmica, ainda mais porque a familia é "influencer" no Instagram. Ou seja, eles podem estar lançando moda: aulas de tiros para crianças de 3 anos. Medo. Tomara essa tendência não chegue ao Brasil após o novo decreto que facilita a posse de arma  (em vigor desde 15 de janeiro). Em vez de ver crianças brincando de maquiagem, vamos ver atirando? Esperamos que não.

Arma é empoderamento feminino?

"Ah, mas a minha filha vai aprender a usar uma arma para se defender". Muitos dos que são a favor do novo decreto para a compra de armas acham que é simples assim. Nós, mulheres, vamos sair por aí atirando, como se fossemos As Panteras (mas com arma de verdade). Assim, não seremos estupradas, assediadas ou assaltadas. Como se arma fosse empoderamento.

Desculpem, mas o que boa parte de nós quer (para a gente e nossas crianças) é simplesmente poder andar na rua em paz (desarmadas, óbvio) sem risco de ser estuprada ou assediada. Utopia? Não, como disse mesmo o pai da menina, educação é poder. Se educar todo mundo direitinho, meninos e meninas, quem sabe um dia isso não vira realidade?

E… reagir a um assalto?

Depoimento de quem já esteve com uma arma apontada para a cabeça durante um assalto e ouviu a frase: "ferrou, vamos ter que matar ela (sic)". Sabe por que eu salvei a minha vida? Porque fiquei calma. Dei minha bolsa para o bandido e disse: "moço, leva tudo, mas não me mata". Ele pegou a bolsa e foi embora. O que teria acontecido se ele tivesse achado uma arma na minha bolsa? Eu teria morrido. Vocês não estariam lendo esse texto. Fim.

Eu não tenho filho, mas se tivesse, ensinaria a lidar com assaltos da seguinte maneira: "fica calma, entrega tudo". Segundo especialistas, pessoas que reagem a assaltos correm mais risco de morrer.

Os Estados Unidos, a terra onde a menina aprende a atirar e o pai lacra no Instagram, é um ótimo exemplo do quanto as armas são perigosas para crianças. Lá, onde as leis para compra de armas mudam de acordo com o estado, duas vezes mais crianças morrem onde existe direito a posse de arma, segundo estudo da Universidade de Stanford. Anualmente, cerca de 2.700 crianças e adolescentes morrem vítimas de armas de fogo nos Estados Unidos, segundo o mesmo estudo.

Não é brincadeira. Não é fofo, nem engraçado. É uma realidade triste. Entre crianças de menos de dez anos, as mortes acontecem principalmente por causa de disparos acidentais, ou seja, crianças, muitas vezes, brincando com armas de fogo.

Ensinar a atirar seria uma boa educação? Não seria mais óbvio não ter uma arma? Os estudos provam que sim, que armas são, de fato, perigosas para crianças. Proteja as suas. Afinal, como disse Carey Hart, conhecimento é poder….

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.