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Nina Lemos

Nova era: mulheres são tratadas aos socos. Próximo passo é nos queimar?

Nina Lemos

10/04/2019 04h00

 

"Vamos tratar as mulheres como princesas." A frase é da ministra Damares, dita no dia em que assumiu o posto de Ministra dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro. No mesmo dia, ela anunciou uma nova era, aquela em que os meninas vestem rosa, e os meninos vestem azul.

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Não acho que devemos ser tratadas como princesas, mas como seres humanos que merecem respeito.

E é difícil acreditar, mas nessa "nova era" em que vivemos, em vez de sermos tratadas como princesas (ou como seres respeitados), estamos sendo tratadas aos socos e aos chutes (literalmente).

Como fisicamente, na maioria dos casos, temos menos força física para, por exemplo, reagir quando tentam nos bater, o senso comum sabe que não se bate em mulher. Óbvio. Ou sabia.

No domingo, uma imagem de uma mulher apanhando na Avenida Paulista correu o Brasil. Três homens deram uma gravata em uma mulher durante uma "briga política".  Um deles é procurador. Os dois que foram identificados até agora: um é o advogado, Jaderson Soares Santana, formado em Direto e com mestrado em literatura. O outro seria Eliezer. Seu companheiro, segundo estudantes da PUC que conviveram com Jaderson e sua página do Facebook.

Sim, eles são um casal gay. E, sim, esperamos mais empatia de grupos que são discriminados. Costumamos contar com os gays como aliados, já que eles também sofrem bulling da sociedade. Tolinhas. A orientação sexual não tem a ver com caráter. Existe também o gay misógino. Já encontrei muitos na vida. O ódio que eles têm de nós, mulheres, é assustador. Antes ele era dito em palavras, "aquela baranga", "aquela gorda". "Rachas". Agora, as palavras viraram atos. Apanhamos.

Um amigo me manda um outro caso. Em Barreiro, na Grande Belo Horizonte, uma mulher de 22 anos registrou ocorrência na polícia depois de levar um soco na cara durante uma festa por ter "esbarrado" em um homem. Seu depoimento, publicado no "Estado de Minas", é chocante e esclarecedor.

O caso aconteceu em uma festa, na madrugada de domingo. "Eu estava passando na para procurar os meus amigos. O lugar estava lotado e esbarrei nele. Foi quando ele já 'cresceu para cima' de mim para tirar satisfação. Veio de uma forma violenta", Depois disso, segundo ela disse para o jornal mineiro, caiu desmaiada, bateu com a cabeça no chão. Teve o nariz fraturado. "Eu nunca o vi na vida. Acho que foi o fato de uma mulher não ter abaixado a cabeça para ele que motivou a agressão." A menina da paulista também não abaixou a cabeça. Será que querem que a gente baixe a cabeça a força?

Outro fato sintomático: ontem, entramos em choque ao ver um video de duas pessoas sendo agredidas no metrô de São Paulo por seguranças. Imediatamente, associamos com uma mulher sendo agredida. Todos os veículos assim noticiaram. De noite, a segurança do metrô informou que se tratava de um rapaz. Agressão lamentável, do mesmo jeito. E assustador que a gente já associe com outra mulher apoiando…

Taca pedra na Geni

A menina agredida em uma "briga política" e a que levou um soco no nariz por "esbarrar" em alguém ligam um sinal de alerta. Essas são histórias que foram filmadas ou, no caso de Minas, denunciada para a polícia.  E os que não foram? E as que não reclamaram? E as que não sabemos? Seria uma nova epidemia?

Eu tenho para mim que, no momento em que temos políticos que mandam no país batendo boca com mulheres, homens "de bem" xingando mulheres de feministas que merecem apanhar, um vereador dizendo que tiraria um trans do banheiro de baixo de porrada, tudo fica autorizado.

Da violência verbal e gritada nas redes sociais para a violência real e física, o caminho não é assim tão grande. Alguns, claros, sabem reconhecer os limites, são os que dizem que agridem, mas na hora , não fazem. Outros ameaçam. E fazem.

Lembrei de um mito, combatido por todos os psicanalistas que entrevistei durante a vida: o de que quem fala que vai se matar não se mata. Segundo os especialistas, é o contrário. Se alguém fala que quer se matar, ela está sim, avisando e pedindo socorro.  E pode, de fato, tentar se matar.

Arrisco que o mesmo vale para os que dizem que mulher não merece ser estuprada. Os que falam "pau nas feministas". Alguns dos que ameaçam, fazem. E com tanto ódio as mulheres espalhados por aí, envenenando as redes sociais e nossas vidas, não é surpreendente que alguns homens se sintam autorizados a nos socar na rua, em público.

Espero que não comecem como, em certos países fundamentalistas, como a Arábia Saudita, a nos tacar pedras.. Ou, como na Idade Média, a nos queimar…

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.