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Nina Lemos

Por que somos tão corajosos na Internet (e não estou falando só de haters)

Nina Lemos

21/06/2019 04h00

 

Getty Images

Aconteceu essa semana. De novo. Escrevi um texto nesse blog falando que uma mulher com a idade do Keanu Reeves não seria a queridinha do momento. Recebi uma reação com a qual já estou acostumada. "Velha! Vagabunda! Feminazi! Cabelo de playmobil", gritaram no meu Instagram, comentários, Twitter.

Nada demais. Isso é rotina na vida de quem escreve para a Internet (principalmente na de quem ousa ter opinião e é mulher). Mas faz parte. Mais um dia no escritório. A gente bloqueia alguns comentários. Fim.

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Mas, outro dia, conversando com a minha mãe (e nem era sobre haters) ela me disse uma coisa óbvia e verdadeira: "como as pessoas são corajosas na Internet, não?"

Pois é. Imagina se uma dessas pessoas teria coragem de encontrar comigo na rua e gritar: "CABELO DE PLAYMOBIL!".  A maioria não teria. Poderia até comentar baixo (o que é normal), mas não iria além disso.

A internet, os grupos de WhatsApp, e qualquer lugar onde possamos mandar mensagens escrevendo sem olhar na cara e ter que arcar com as consequências (que pode ser até levar um tapa) são lugares onde  falamos "o que der na cabeça". Mas cuidado com quem fala tudo que pensa, isso significa que essa pessoa está sem superego, ou seja, meio maluca. Isso nos tornam super heróis da coragem (e também da falta de educação).

Mas não, isso não acontece só com comentaristas de portal agressivos ou pessoas que gastam seu tempo indo no Instagram de blogueiros ou pessoas públicas para xingar. Acontece com todos nós. Sim, comigo, com você. A internet nos dá a coragem para fazer coisas que não faríamos na vida real. E, no geral, essas coisas não são boas.

Aconteceu comigo. Outro dia me irritei em um grupo de WhatsApp (sim, viramos essas pessoas que brigam em grupos de WhatsApp). Claro que não xinguei geral. Mas disse coisas ali que não falaria em uma mesa de bar.

"Tô fora desse humor hipster", eu disse. A pergunta é: eu, uma pessoa adulta, teria usado da mesma linguagem em uma mesa de bar? Não, né? Eu teria me levantado. No máximo, ido embora e depois comentaria com alguém que aquele tipo de conversa me deixava sem paciência. Simples assim. Eram assim que as coisas eram resolvidas nos anos 90.

Mas não, escrevendo, de longe, descontrolei e falei de um jeito que na vida normal não falaria.

Você falaria isso na cara da pessoa?

Outro dia recebi uma mensagem de uma amiga que, no dia, me magoou bastante. Ela fazia tipo um resumo dos meus defeitos (sob o olhar dela, claro). Em uma mensagem de celular ela me chamava de dramática, exagerada… enfim. Foi bem chato e magoou. E é aí que entra a minha mãe. Comentei com ela, que me disse: "as pessoas enlouqueceram. Elas não teriam coragem de falar isso na cara das outras! Seria como encontrar com você na rua e gritar: 'você é dramática, exagerada!' Como isso acabaria? No tapa?".

Sim, minha mãe tem toda razão. A internet é linda e maravilhosa, mas também faz com que todos nós percamos o controle e a civilidade. E estou me incluindo totalmente nisso. Até a minha mãe, que já passou dos 70, perdeu o controle. Durante as eleições, ela escreveu para uma mulher em um grupo da cidade onde nasceu: "Você é uma imbecil". Eu juro! Podem rir. Quando ela faria isso na vida real? Mas nunca!

E, vamos lembrar, a época das eleições talvez tenha sido a época em que descemos mais baixo. Mas pelo jeito não aprendemos.

Eu não sou exatamente uma pessoa "que ama uma treta". Contrário. Desde criança sou medrosa e não brigo. Brigar de tapa mesmo só com uma prima-irmã (e eu sempre perdia e apanhava).

Imagina se eu teria coragem de falar: "que saco, isso é bem coisa dessa geração mesmo! Não pensam!" na cara de um grupo de pessoas? O que teria acontecido? Teriam gritado comigo! E eu teria merecido. Pois, em um grupo de WhatsApp, eu tive.

Vamos parar de fazer isso? Não sei se vamos conseguir. Algumas pessoas se viciaram no prazer de xingar e espalhar ódio e não vão mudar.

Mas e a gente, que se acha civilizado? Será que vamos conseguir mudar? Sugiro um exercício, que vou começar a fazer hoje. Antes de falar algo para alguém, seja no WhatsApp, no Instagram, no Twitter ou no Telegram, imaginar se a gente falaria o mesmo se estivesse cara a cara com a pessoa. Muitos desentendimentos podem ser evitados. E nem vamos ter que culpar "o hacker".  🙂

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.