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Nina Lemos

Eduardo Bolsonaro: se a Amazônia é uma "mulher", o relacionamento é abusivo

Nina Lemos

02/09/2019 04h00

REUTERS/Adriano Machado

"A Amazônia, essa mulher tão bonita, o outro cara vai lá, pisca para ela, quer pagar um drinque para ela, não posso achar que esse drinque está sendo pago de graça, ok?"

A frase é do deputado (e candidato a futuro embaixador dos Estados Unidos) Eduardo Bolsonaro. Sim, ele está se referindo, por incrível que pareça, à ajuda oferecida por países europeus para ajudar a salvar a Floresta Amazônica, que sofre o que pode ser o maior incêndio da história do local e, segundo cientistas, passa por uma crise que pode ser sem volta

Sim, eles deviam estar pensando em como apagar o fogo, proteger as comunidades locais, reflorestar, salvar o mundo. Mas, não, os homens que foram eleitos estão brigando como se estivessem no vestiário da quinta série enquanto uma catástrofe acontece. E na briga, tal qual adolescentes de 12 anos, usam nós, mulheres, como metáfora.

 Ele disse ainda que não iria se prostituir para conseguir dinheiro para a tal mulher bonita. "A gente vai aceitar fundo da Amazônia e continuar se prostituindo? Aqui é Brasil, aqui quem manda somos nós. Se quiserem continuar depositando, continuem. Senão, abraço."

Nossa, se a Amazônia é uma mulher bonita, o que é uma comparação bastante bizarra, Eduardo, parece que esse relacionamento é possessivo, não? Não encostem nela! Ela é minha! E se ela está sendo destruída e ele não está deixando que ela seja ajudada, podemos dizer que esse é um… relacionamento abusivo. Sim, se é para entrar na viagem do deputado, vamos lá! 

Virgem a ser deflorada

Essa não é a primeira vez que os integrantes da família Bolsonaro comparam a floresta (e as riquezas brasileiras) a uma mulher. As comparações, em geral,  tratam mulheres como "coisas".

O insulto do presidente à primeira dama da França, Brigitte Macron, causou escândalo por isso, porque mulheres foram tratadas como troféu. E de forma desrespeitosa, infantil. 

O pai de Eduardo, Jair, adora fazer metáforas com casamento, mulheres e escatologia. "A virgem" é uma personagem bastante presente (sim, fomos parar nos anos 50). Ele já disse que o Brasil, com suas riquezas, "a virgem que todo tarado de fora quer."

A fala pegou muito mal fora do país. Foi considerada extremamente sexista. Não, não é paranóia ou "mimimi" dessa que vos escreve. Ou toda a imprensa do mundo  foi tomada pelo mimimi, claro.

Essa estranha obsessão por virgens que o presidente tem já foi usada para se referir até a…. Eduardo! Sim. Em dúvidas de se indicava ou não o filho ao cargo de embaixador nos Estados Unidos, o presidente disse que não queria submeter o filho a um fracasso. E explicou da seguinte maneira. "Você, por exemplo, está noivo. A noiva é virgem. Vai que você descobre que ela está grávida. Você desiste do casamento?" Não é fácil entender o que que ele quis dizer com isso, juro que ainda estou tentando. Mas, de novo, mulheres, virgens, casamento. 

Deixem as mulheres fora disso! Corpos de mulheres não devem ser tratados como florestas virgens a serem defloradas. "Todo tarado quer". Como assim? 

Perda da virgindade de uma mulher, por exemplo, é um assunto delicado. Não vivemos (ou não queremos viver) em um mundo em que homens estão "atrás de virgens" para deflorar. Não só a Amazônia, mas as garotas do Brasil, merecem mais respeito. 

E chega, né? O mundo todo está falando de evitar uma catástrofe mundial e vocês continuam falando sobre fazer cocô, mulher, um nível… quinta série, na verdade, do fundão e dos anos 80, pois acredito que os adolescentes de hoje sejam mais informados (olhem o exemplo da sueca Greta Thunberg, que, com seu ativismo ecológico, está tendo influência real sobre a política internacional).

Repito: estamos falando de uma crise mundial. Comportem-se. Mesmo na 5ª série D, em 82, no colégio Nossa Senhora do Rosário, onde estudei, existia alguma ordem e algum respeito

 

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.