"Quem mandou beijar?" Gays relatam culpabilização após ataques homofóbicos
Em março desse ano, o produtor cultural e radialista Lucas Cabaña voltava para casa andando com sua irmã depois de encontrar com amigos em um bar. Eram umas dez da noite. "De repente, apareceram três caras que começaram a me chamar de viado, me jogaram no chão e me espancaram. Fui pego totalmente de surpresa". Lucas acha que sua vida foi salva porque estava junto com a irmã. "Ela ficou desesperada gritando por socorro. E eles falaram, vamos parar de bater porque é uma mulher que está pedindo. Se estivesse com outro amigo gay, estaria morto."
Lucas lembra exatamente da roupa que estava usando naquela noite: bermuda e camiseta. E depois do ataque, ouviu de alguns conhecidos a pergunta: "Mas como você estava? Estava vestido como? O que você fez?"
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Mulheres também são culpabilizadas em muitos casos de estupro e assédio. "Mas que roupa você estava usando? Quem mandou usar saia curta, você provocou. A lógica, segundo depoimentos de vários homossexuais que já sofreram ataques, é a mesma usada contra as mulheres. Se foi agredido ou assediado, é porque alguma coisa fez para "provocar".
"Depois dos ataques, passei alguns dias em casa, recolhido, pensando no que tinha passado e trabalhando aquilo dentro de mim para que não virasse trauma. Quando voltei a sair, fui logo de saia e blusa transparente. Eu não vou deixar de ser quem eu sou, não vou mudar a minha essência."
O Brasil é um dos países mais perigosos para homossexuais no mundo. Segundo dados de 2019, do um LGBT é morto a cada 16 horas no país. Nesse ano, entre janeiro e maio, 141 pessoas morreram no Brasil por causa da orientação sexual, segundo dados do Grupo Gay da Bahia.
Ano passado, a violência aumentou durante o período eleitoral. Segundo pesquisa produzida pela agência Gênero e Número e financiada pela Fundação Ford, 51% dos gays entrevistados foram agredidos durante a época da campanha eleitoral e logo após a vitória de Jair Bolsonaro, que já declarou que preferia ter um filho morto a ter um filho gay.
O jornalista Rhenan Soares, de Brasília, faz parte dessas estatísticas. "Na época da eleição eu estava com uma turma de amigos em um bar com amigos e um namorado. Fui levá-lo no Uber e demos um beijo de despedida, mas nem foi um beijão, foi um beijinho, logo vieram dois caras e nos jogaram no chão, estava com amigos que vieram gritando, por isso fomos salvos", ele diz. E comenta: "está vendo como a gente se sente culpado? Eu já estou justificando falando que não foi um beijão, mas um beijinho, como se eu tivesse feito algo errado."
Segundo ele, foi normal ouvir depois: "Mas você beijou? Por quê? Não devia ter feito isso na rua."
Ainda tiveram de encarar a reação de muitos amigos: "ah, não foi nada demais". "Poxa, a gente estava machucado, com a roupa rasgada, doído." Muita gente trata uma agressão dessas como se fosse assim: ah, vocês se agarraram, vocês estavam pedindo", diz Rhenan.
Vamos lembrar o óbvio: ninguém está "pedindo" para apanhar porque anda de tal jeito, usa um certo tipo de roupa ou beija o namorado. Quem faz isso está apenas… existindo!
"Fiquei muito chateado com o que aconteceu, foi traumático, mas não vou deixar de dar a mão ou beijar um namorado por causa disso. Se a gente parar de ser a gente mesmo, a gente fica doente, morre por dentro", diz Rhenan.
Mas você vai assim?
Nem todas as agressões são físicas. Algumas são verbais, intimidatórias. O DJ Leandro Cunha já perdeu as contas de quantas vezes passou por isso. A mais traumática dela foi quando ele estava em um trem em São Paulo, usando uma bolsa atravessada. "Todo mundo no vagão começou a me xingar, era um vagão inteiro gritando 'viado, viado'. Nesse dia, realmente, eu tremi."
"Existe, sim, uma tentativa de culpar a vítima, como se a gente tivesse feito algo de errado. Agora, o que eu fiz de errado essa vez? Usar uma bolsa atravessada?"
Se você for agredido, lembre-se, a culpa não é sua. E, se você vir alguém sendo agredido na rua, ajude. E não diga que o outro "provocou" por usar uma roupa x ou beijar um namorado…