Marisa Letícia ganha biografia que mostra mulher forte e "comum"
Uma mulher comum, que gostava de levar os netos para o sítio, bater papo no WhatsApp com as amigas e que, na juventude, assumia com gosto o papel de casa. Assim Marisa Letícia, conhecida como Dona Marisa, esposa de Lula, é retratada no livro "Marisa Letícia da Silva", sua biografia, escrita pelo jornalista Camilo Vannuchi, blogueiro do UOL. A morte de Marisa, causada por um AVC, completa três anos nessa segunda (3).
O autor, amigo da família Lula da Silva desde criança, tentou convencer Marisa a fazer com ele sua biografia por quase dez anos.
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"Desde 2007 eu sugeria para ela fazer suas memórias, mas ela desconversava. Até que em 2015 ela falou, vamos!". Não deu tempo. "Em 2016 não fizemos, tínhamos outros compromissos. Em 2017, quando achava que iria falar com ela e fazer, fui surpreendido pela notícia do AVC. No dia dois de fevereiro, quando sua morte já tinha sido anunciada, fui ao Sírio Libanês (onde Marisa estava internada e faleceu). Lá, no hospital, o próprio Lula me perguntou se eu tinha feito o livro da Marisa. Ele me interpelou e disse: "agora, eu que vou ter que te contar a história da Marisa." Minha idéia era fazer conversando com ela. Mas acabei amadurecendo essa idéia. "
No livro, a gente conhece a sua história antes de se casar com o marido famoso. Marisa, filha de uma família humilde, trabalhou como babá (que dormia na casa) quando tinha apenas 9 anos. Depois, ainda menor de idade, trabalhava em uma fábrica de bombons. E também, claro, sua vida como mulher de sindicalista, companheira de um líder que criou um partido e que, no fim, virou presidente do Brasil. A Marisa que quando mais jovem rebatia quando os amigos falavam que um dia ela seria Primeira Dama."Eu? De jeito nenhum!" aceitou o papel. E deu força para que o marido fosse eleito. Trabalhou para isso. Inclusive fazendo mudanças no visual e passando a frequentar um cabeleireiro das estrelas para melhorar sua imagem.
A sina das primeiras damas
Primeiras damas costumam ser criticadas e alvos de fofocas. Com Marisa não foi diferente. No tempo em que Lula foi presidente, apesar de manter um gabinete, Marisa se envolveu em um projeto ou outro, mas não teve cargo. "Eu não fui eleita, quem foi eleita foi ele", dizia a dona de casa.
"Acho que existe uma espécie de fetiche machista quando se trata de primeira dama", diz o autor. E explica: "Os maridos sempre fazem plástica e trocam o figurino para fazer campanha. Mas isso nunca é falado. Sempre é focado nas mulheres." Ele acredita que, no caso de Marisa, foi ainda mais complicado: "acho que Marisa teve uma coisa muito diferente, fora da curva, de sofrer muito preconceito. Acho que isso tem a ver com a origem. Os dois tiveram essa abordagem classista e preconceituosa. Tinham brincadeiras do tipo, tadinha da Marisa, vai ter que lavar toda aquela vidraça do Alvorada."
Marisa Letícia era, sim, uma dona de casa. O que vemos no livro é uma mulher que nos lembra muito uma tia nossa ou alguma amiga de nossas mães. Aquela que não tem papas na língua, que diz o que pensa, tem ataques de ciúme e, na hora que a coisa pega, luta. Alguns episódios narrados no livro mostram que Marisa não foi só uma primeira dama ou uma dona de casa (como se isso fosse defeito, não, não é) mas também uma mulher que, por exemplo, fez passeatas, se juntou com outras mulheres para estudar política e recebeu líderes e celebridades na casa modesta em que morou com a família em São Bernardo por décadas.
Seu biógrafo acha que, por conta do machismo, muitas vezes ela não recebeu o valor que merecia. "Temos uma história de muito machismo ao longo da história do Brasil. A Marisa mereceria a carteirinha de número dois de fundadora do PT, mas nunca esteve numa plenária e nem é chamada de fundadora do PT. Mas ela foi uma personagem fundamental, o núcleo mais importante da fundação do partido era formado por ela, que ainda fazia todas as camisetas. Ela chegou a fazer 100 camisetas por dia na cozinha."
Marisa também tinha suas inseguranças. Odiava falar em público. Em uma das passagens, enquanto dava uma entrevista, ela fala para o filho de quatro anos que estava em seu colo. "A mamãe é burra. Não consegue falar." A ex empregada, que se viu morando em palácio, se adaptou, mas sem mudar seu jeito. Gostava de fazer festas juninas e passava a maior parte do tempo com os netos.
No fim, o que vemos é uma mulher apavorada (depois da prisão coercitiva de Lula, em março de 2016) pelo medo do marido ser preso, que passou a ter medo de sair na rua e até dos próprios vizinhos, conforme o clima de agressividade política crescia no Brasil. Em uma das cenas, no meio de um churrasco, ela ouve o som de um barulho de helicóptero qualquer e grita, apavorada: "eles vieram nos pegar!".
Seus últimos dias foram tensos, assustados. Mas, um detalhe que mostra muito a personalidade de Marisa: no dia da sua morte, ela acordou e decidiu que iria levar os filhos para um sítio que tinha com Lula desde os anos 80. E, já no hospital, ainda ligou para o neto para acalmá-lo e falar que estava tudo bem.