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Nina Lemos

Drauzio sendo atacado por abraçar condenada a crime é prova de país doente

Nina Lemos

09/03/2020 13h49

 

Drauzio Varella é um dos maiores brasileiros vivos. Difícil não admirar um médico dedicado, sensato, que poderia apenas desfrutar das benesses de uma carreira de sucesso, mas ocupa parte da sua vida para cuidar dos marginalizados. E também a dar lições de saúde para todos os brasileiros (de todas as classes e viés ideológicos). Até alguns dias atrás, a gente podia dizer que o "doutor Drauzio" era uma unanimidade. Um homem respeitado por todos. Uma espécie de tio de todos nós. 

Digo até ontem porque agora, Drauzio Varella está sob ataque. O que não deixa de fazer sentido, afinal, vivemos uma época em que unanimidades (com merecimento) são xingadas. É horrivelmente previsível que uma hora a barbárie chegasse à Drauzio Varella. Não espanta. 

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Ele é atacado porque, depois de comover o Brasil inteiro com uma reportagem que fez com transsexuais presas no "Fantástico", causou emoção ao dar uma abraço em Suzi, uma presa que não recebia nenhuma visita da família há oito anos. Em tempos de ódio, o abraço emocionou o Brasil. Suzi passou a receber cartas de pessoas comovidas com a sua solidão.

O amor durou pouco. Logo virou ódio. Isso porque, segundo reportagem divulgada pelo site "Antagonista", Suzi foi presa por ter matado e estuprado um menino de dez anos em 2009. Um crime horrendo. Inaceitável. Tenebroso. Agora, isso seria motivo para atacar o médico por ter dado um abraço? A compaixão não deveria ser um valor a ser comemorado, ao em vez de atacado? 

"Ah, mas o dr. Drauzio está defendendo criminoso!" "Ah, mas vocês que defendem o dr. Drauzio estão passando pano para quem cometeu um crime horrível." Não, não mesmo. Suzi está presa, cumprindo sua pena. Deve pagar por todos os seus crimes. O médico em nenhum momento disse o contrário.

Em uma nota, ele, que atende pessoas em presídios de graça há 30 anos (se vocês não leram Estação Carandiru, leiam, é um livro e tanto) nunca perguntou o motivo de um paciente está preso. E termina a nota dizendo: "sou médico, não sou juiz". Essa frase só mostra a grandeza de Drauzio Varella, um médico com M maiúsculo, que cumpre os mandamentos da sua profissão e atende A TODOS. Seu posicionamento deveria ter bastado para que os ânimos se acalmassem e para que as pessoas parassem de condená-lo.

Aconteceu o contrário.  Depois de Fernanda Montenegro  (só para citar outro patrimônio brasileiro), com quase 90 anos, ser chamada de vagabunda,  agora é a vez de Drauzio Varella, aos 76 anos e mais de 50 de profissão, ser atacado e ameaçado nas redes sociais, em parte por integrantes do governo brasileiro.

O ministro da educação Abraham Weintraub partilhou a nota de Drauzio em seu perfil do Twitter e escreveu coisas como: "Continuem defendendo estuprador assassino, vocês se merecem". E terminou com: "desejo que vocês terminem no inferno." Sim, Drauzio Varella, um dos maiores brasileiros vivos, mais de 50 anos de serviços prestados ao país, foi mandado para o inferno pelo Ministro da Educação por causa DE UM ABRAÇO.  

Enquanto escrevo, A TAG #DrauzioVarellaLixo ocupava o segundo lugar no Twitter do Brasil. Repito: por causa de um abraço.

Não causará surpresa se logo o médico passar a receber ameaças de morte e ataques de ódio na rua (várias fake news sobre ele já circulam na internet) só porque… deu um abraço sem fazer julgamento e se comoveu com a miséria humana. Atenção, corremos o risco de "cancelar" Drauzio Varella, de fazer com que ele tenha que sair do país por causa de ameaças, que tenha que deixar de dar sua tradicional corrida no parque em São Paulo… Tudo isso por causa de um abraço. Estamos doentes.

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.