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Nina Lemos

Pandemia do Coronavírus faz mulheres ficarem ainda mais sobrecarregadas

Nina Lemos

17/03/2020 13h14

Dani Sá mora sozinha com a filha Emília, de 5 anos, e está com dificuldades de equilibrar home office e a rotina com filha em casa, sem aulas

A especialista em mídia social Dani Sá mora em São Paulo e está com dificuldades de equilibrar home office e a rotina com com a filha Emília, de 5 anos. Dani trabalha em casa, quando não está envolta em reuniões. Geralmente, ela tenta se organizar para trabalhar entre 9h e 13h, horário em que a filha está na escola. Ela, como muitas mães do Brasil e do mundo, viu a rotina mudar de pernas para o ar desde ontem. Emília não teve aula por causa da pandemia de Coronavírus. Dani, por outro lado, teve o dia cheio, com clientes ligando e se preparando para enfrentar a crise. "Tive que trabalhar mais que o normal, e minha filha ficou tão nervosa que uma hora literalmente carimbou a boca. Acabei chorando", ela conta.

Para manter a rotina com a filha, ela tem tudo muito organizado e a grana é contado. "Não tenho muito dinheiro sobrando, tenho que planejar muito bem o que comprar. Comprei trigo para fazer meu próprio pão, enlatados." A rotina de visitas de Emília ao pai, que fica com ela de duas em duas semanas nos fins de semana, também deve ser alterada. "Não vou querer que minha filha fique por aí circulando." Ela tenta não expor ela e a filha ao vírus (orientação da Organização Mundial de Saúde e que deve, sim, ser cumprida).

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Do outro lado do oceano, na Alemanha, onde os casos já passam de 7 mil e a pandemia deixou o país ilhado, com fronteiras fechadas e restrições sérias (só supermercado e farmácias estão abertos e a recomendação do governo é que as pessoas não saiam de casa), Renata Xu, mãe de um menino 3 anos e uma menina de 1, passa pelo desespero de tentar manter os filhos em casa. "A minha vida virou um BBB sem câmaras. E como convencer crianças dessa idade que elas não podem ir no parquinho? Uma hora a situação vai ficar insustentável", fala.  

Renata Xu, mãe de um menino 3 anos e uma menina de 1, passa pelo desespero de tentar manter os filhos em casa.

Ao mesmo tempo, ela se preocupa com as economias da família. "Meu marido trabalha com música  e entretenimento, todos os eventos que ele fazia estão caindo. Não sabemos como isso vai ficar, são centenas de artistas que vão ficar desempregados. Além de tudo, me preocupo com meus avós e meus pais no Brasil, que eu não posso visitar. E me assusto com o caos que pode acontecer no país. Fico desesperada vendo que as pessoas estão falando que é só uma gripe, porque a gente aqui, sabe que não é."

As duas são exemplos do que acontece com a maioria mulheres no momento.

Com a maioria das cidades do Brasil e na Europa sem aulas e com orientações para que todos que possam fazer home office assim o façam, mais um peso tem caído sob as mulheres, naturalmente mais sobrecarregadas que os homens (ainda fazemos mais trabalho doméstico). E, sim, os cuidados da maternidade, quando não feito exclusivamente por mães, costumam cair mais no colo delas. 

As listas de preocupações que tenho ouvido de amigas, além do medo óbvio de se contaminar é ampla e inclui:

_ Preocupação com pais, tios e familiares mais velhos

E, sim, desculpem, mas é fato. As cuidadoras e responsáveis pela família no geral costumam ser  mulheres. Então, a situação é a seguinte, ao invés de contar com ajuda dos pais para, por exemplo, cuidar dos filhos, as mulheres que eu conheço estão desesperadas querendo que os pais se protejam. E não, não vão expor os pais e pedir que eles saiam de casa.  Dani é exemplo também para isso. "Meus pais já morreram, mas tenho um tia com quem sou muito ligada que mora no Rio de Janeiro. Ela vinha passar um tempo comigo para me ajudar. Agora falei para não vir e estou super preocupada com ela." 

_ Pânico com dinheiro

"A empresa vai quebrar?" A situação, claro, piora para quem é autônomo (e imediatamente para de ganhar com a crise) ou para quem está em uma fase de procurar emprego, como Renata. Muitas profissões exercidas majoritariamente por mulheres, como manicures, babás, faxineiras são profissões sem a menor garantia. Parou o trabalho, parou o dinheiro. 

_ Como cuidar da casa, dos filhos, do trabalho

No Brasil, muitas pessoas têm diaristas e babás. Agora, quem agir com responsabilidade e o mínimo de noção, deve abrir mão desses serviços. Nota: se você puder, continue pagando essa pessoa! Lembre-se de que se ela não é contratada por você, ela é outra mulher autônoma, que também tem família e também está em pânico com o dinheiro e também está com os filhos em casa! 

_ Tentar manter todos na linha

Já tentou convencer um adolescente de que o Coronavírus é um risco real? Eu, outro dia, tentei convencer meu enteado de 17 anos. Ele continuou olhando para mim e falando: "imagina, é só uma gripe!". Imagino o estresse que mãe dele está tendo todos os dias para convencê-lo de fazer uma coisas simples, como, por exemplo, lavar a mão. E, muitas vezes, acabamos fazendo isso com maridos ou namorados também. E passamos o dia gritando: "não saiam! não saiam!"

_ Medo de não render no trabalho

Quem pode se dar ao luxo de trabalhar em casa vai conseguir render como estando ao mesmo tempo: gritando para os pais não saírem de casa pelo telefone, filhos correndo pela casa e destruindo tudo, e todas essas preocupações na cabeça? Não, mas precisamos render porque, afinal, o Corona está causando uma crise econômica mundial

Ah, claro, ainda tentamos fazer isso tudo repetindo que não podemos entrar em pânico porque isso pode baixar nosso sistema imunológico, 

Não está fácil. Se ajudem! E se você for um homem, ajude as mulheres, seja irmã, mulher, namorada ou amiga. 

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.