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Nina Lemos

Dia do trabalho: Covid-19 ensinará a valorizar profissionais invisíveis?

Nina Lemos

01/05/2020 04h00

Divulgação

"Se você não tiver jeito para nada, vai acabar sendo caixa de supermercado". Muita gente já ouviu isso dos pais e, pior, replicou esse preconceito por aí. Essa e outras profissões sempre foram vistas por muitos como "menores". Hoje, Dia do Trabalho no meio da pandemia, podíamos começar a valorizar essas profissões, não? Afinal, agora vimos que dependemos tanto delas…

Muitas desses profissionais "invisíveis" (pelo menos para parte das pessoas, que nem olham direito ao redor) são mulheres. O trabalho de caixa de supermercado é um dos que é majoritariamente feminino.

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No momento em que nós, que temos o privilégio de ficar em casa, encaramos a ida ao mercado como a parte perigosa do dia, essas pessoas estão lá, se arriscando. Sim, essas mulheres, assim como nós, têm amigos, família. E saem de casa para trabalhar, mesmo podendo se contaminar. E ainda lidam com mau humor de clientes que podem até ser violentos.

Essas profissionais, assim como aquelas que enchem as prateleiras dos supermercados, os repositores e repositoras, têm sido finalmente reconhecidas por alguns chefes de estado como parte importante da sociedade. Angela Merkel, por exemplo, costuma agradecer a esses profissionais "heróicos" em seus discursos durante a crise.

Segundo estudos, as caixas de supermercado estão entre as profissões com mais risco de contrair o coronavírus, assim como outros que lidam diretamente com o público, como atendentes de farmácia.

Mulheres são maioria também entre as profissionais contratadas para limpar lugares públicos como metrô, hospitais, bancos e outros serviços essenciais que continuam abertos. Muitas vezes a gente lembra dos médicos (que merecem todo o nosso respeito) mas esquece delas. Inclusive, essas profissionais muitas vezes são chamadas de "tias da limpeza". Elas têm nome, viu?

No caso dos profissionais de saúde, são milhares de mulheres na linha de frente. Técnicas de enfermagem e enfermeiras se arriscam diariamente e são muitas as histórias de profissionais que se contaminaram no trabalho. Elas correm, inclusive, mais riscos que os médicos, já que são as pessoas que têm contato mais próximo com a paciente. No mundo, 90% das enfermeiras são mulheres, segundo dados da OMS. No Brasil, o número é de 87%.

Essas profissionais finalmente ocupado espaço na TV e nas revistas. A da revista "Marie Claire" mexicana, por exemplo, colocou uma enfermeira na capa na sua edição de abril. Sim, elas não têm tanto glamour quanto as modelos e ganham muito menos que elas, mas agora, e só agora, o mundo percebeu o quanto elas são importantes. Tomara que a gente não esqueça.

Muitas pessoas também estão vendo pela primeira vez o quanto o trabalho das faxineiras e diaristas é pesado, já que pela primeira vez ficaram sem elas e estão tendo que fazer o trabalho da casa. Será que o pagamento e o tratamento dado a essas mulheres (muitas vezes humilhadas) vai melhorar depois da pandemia? Seria o mínimo. Essa é a profissão de cerca de seis mulheres no Brasil, país que mais têm empregadas domésticas no mundo.

E se você está trancada em casa, tenta fazer a maioria das coisas pela internet e pelo celular, certo? Do outro lado, muitas vezes estão profissionais do telemarketing, área ocupado 60% por mulheres. São pessoas que trabalham em ambientes muitas vezes inóspitos e lotados de pessoas. Enquanto você está seguro em casa, essas pessoas também estão se arriscando. Então, você podia pelo menos não gritar com ela quando um problema não pode ser resolvido… Afinal, a culpa não é delas.

Em muitos países, as pessoas estão batendo palmas todos os dias para os profissionais de saúde. Ótimo e merecido. Mas essas outras profissionais também merecem palmas. E que a gente pense duas vezes antes de replicar esse tipo de conversa preconceituosa do estilo: "ela não serve nem para caixa de supermercado".

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.