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Nina Lemos

Maju é atacada nas redes. É óbvio que o ódio ia sobrar para a mulher negra

Nina Lemos

26/08/2020 04h00

Divulgação / Rede Globo

Essa não está sendo uma boa semana para nós, jornalistas (nem para o jornalismo como um todo). No domingo, o presidente Jair Bolsonaro disse para um repórter do Jornal O Globo: "minha vontade é encher a sua boca de porrada." Um ataque nunca visto na história do Brasil.

Na segunda-feira, não melhorou. Em vez de pedir desculpa, o presidente disse que os jornalistas são "bundões" e que por isso tem mais chance de morrer de Coronavírus (um desrespeito não só com a gente, que é jornalista, como com todas as mais de 110 mil vítimas de Coronavírus do Brasil e suas famílias). Já pensou perder um parente e ouvir o presidente dizer que ele morreu porque era bundão?

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Na terça-feira, os ataques continuaram. Dessa vez, em relação à TV Globo e a uma profissional em especial. E quem, entre todos os jornalistas do Brasil, virou a personificação dos ataques? A única mulher negra a apresentar o Jornal Nacional na história: Maju Coutinho. Não podia ser mais óbvio.

A jornalista foi acusada por Jair Bolsonaro no Twitter de ter mentido durante o "Jornal Hoje". Pronto, o exército de apoiadores do presidente (e seus robôs) partiram para o ataque. Na manhã de terça-feira, a hashtag  #MajuCoutinhoMentirosa ocupava o primeiro lugar do Twitter.

Não surpreende (infelizmente) que os ataques contra a imprensa tenham se personificado em uma pessoa que, além de boa profissional, é mulher e negra. 

Nos comentários, muitos deixavam claro que ela incomodava. Ela era chamada de chata, de feia e até a sua voz era considerada de "irritante". Mulher em posição de poder incomoda. Mulher negra incomoda mais. 

Mulheres negras sob ataque

O ataque à mulheres negras nas redes sociais é um assunto pesquisado e confirmado em números. Segundo um estudo do sociólogo brasileiro Luiz Valério Trindade para a Universidade de Southampton, mulheres negras entre 20 e 35 anos são 81% das vítimas do discurso discriminatório em redes sociais.  

Outro estudo. este da Anistia Internacional, mostra que mulheres recebem ofensas no Twitter a cada 30 segundos. E que negras têm mais chance de serem alvos desse ódio.

Claro que em um país racista onde o ódio às mulheres é escancarado, o ataque cairia no caso de Maju, que, além de tudo, é jornalista.

Sim, ser jornalista, hoje em dia, se tornou motivo para ser alvo de ataques. Ser jornalista e mulher, mais ainda (a repórter da Folha, Patrícia Campos Mello, por exemplo, também foi alvo de ataque do presidente e seus apoiadores. Em seu caso, Bolsonaro disse que "ela queria dar o furo" (uma "piada" machista horrorosa) Em épocas como essas, Maju, jornalista, mulher, negra e bem-sucedida é uma afronta. 

Não é de hoje que Maju Coutinho sofre ataques de ódio na internet. Em março, dois homens foram condenados por racismo com ela em redes sociais. No mesmo mês, o empresário e amigo de famosos Rodrigo Branco disse em uma live que ela era péssima e só estava no Jornal Nacional porque "era negra".

Infelizmente, esses ataques também não devem ser os últimos. Força, Maju!

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.