Arrumar a casa com alegria? Testei e tentei entender o método Marie Kondo
Nina Lemos
11/01/2019 04h00
Foto: Divulgação
Segure essa peça de roupa e veja se ela te traz alegria. A frase é repetida várias vezes na série "Ordem na Casa com Marie Kondo", uma espécie de obsessão mundial que estreou no fim do ano na Netflix. Marie Kondo é autora dos best sellers "Isso Me Traz Alegria" e "A Mágica da Arrumação". Para seus seguidores, é quase uma deusa.
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Eu, como bagunceira assumida (mas não orgulhosa disso), resolvi testar algumas técnicas.
Antes de tudo, "Ordem na Casa com Marie Condo" é um reality estilo "Acumuladores" (que meu lado trash adora), mas com mais sentimento e gratidão. Marie é adepta da teoria do arrumar para trazer alegria, arrumar com prazer. Sim, o ato de limpar uma gaveta é todo trabalhado na hashtag gratidão.
Depois de assistir a alguns episódios (achei chato, mas bem feito, com aquela fórmula de reality que acaba te fazendo ver por inércia), decidi tentar algumas técnicas em uma gaveta muito bagunçada. Detalhe: eu só tenho duas gavetas no momento, mais um armário sem gavetas, a minha vida luxuosa com dois armários só para mim em São Paulo é passado. Quando você muda de país (o que fiz há quatro anos), desapega de coisas na marra.
Enquanto segurava uma camiseta meio nova de listrinhas, fiz como ela mandou: fechei os olhos e pensei: essa roupa me traz alegria? Confesso que não senti absolutamente nada, como esperado. Mas decidi que não jogaria fora porque eu gosto e uso bastante e é meio nova.
Vai ver esse foi o sentimento…
Contei minha experiência para minha amiga Eva Uviedo, artista plástica, designer, e ela me disse: "Você começou errado, tinha que ter primeiro testado uma camiseta que gostasse…"
OK. Mas me lembrei de um episódio genial de Gilmore Girls (isso sim, alta filosofia pop), onde Emily, a mãe de Lorelai, depois de ficar recentemente viúva, resolve fazer uma grande mudança na casa. Ela acaba jogando quase tudo fora, inclusive coisas valiosíssimas. "O que você está fazendo, mãe?", pergunta Lorelai. "Estou me livando das coisas", diz a mãe. E completa: "Li no livro da Marie Kondo que você precisa tocar em um objeto e ver se ele te traz alegria. Toquei nessas coisas e não senti nada".
A gênia da Lorelai explica pacientemente para a mãe que, de luto, triste, ela não vai sentir alegria em nada mesmo…
Isso que Marie Kondo, enquanto fala com coisas e agradece a casas parece ignorar, os principios básicos da psicanálise!
Para ela, a alegria vem de fora para dentro. E, aí, os "kondorianos" que me desculpem, mas, como freudiana com 20 anos de análise, acho que a mudança vem de dentro para fora, exatamente o contrário.
Tentei, sim, na minha gaveta. E uma coisa eu posso falar para vocês, a técnica de dobrar da Marie Kondo é ótima. Realmente, as roupas ficam pequenas, parecendo de uma loja. Fiz com algumas camisetas. A gaveta fica linda.
A vida real é roupa espalhada no chão
Agora, me desculpem, uma dose de vida real aqui se faz necessária. Tudo bem fazer uma gaveta linda com bolinhos. Agora, no dia a dia, tem dia em que você vai acordar com pressa e vai abrir vários rolinhos e deixar todas as camisetas jogadas no chão. Talvez você chegue tarde e pise em cima dela. Os bolinhos vão virar um bolão. Quem nunca? Atenção, quem tem empregada doméstica para catar as coisas para si (uma coisa que existe em poucos países para pessoas de classe média, e um deles é o Brasil) não vale. Estou falando de vida real, onde você cozinha, você lava, você arruma.
Nessa vida, tem dia em que estamos tristes e tudo fica um caos. Sim, eu concordo, a casa arrumada faz com que a gente se sinta melhor. Mas tem dias em que simplesmente não dá. Uma pessoa deprê só vai conseguir arrumar a casa quando estiver se recuperando.
E tem outra, gente, não tem como controlar a vida. Inclusive, desconfio que a mania por esse programa tem a ver com controle. Não conseguimos controlar o mundo (que parece cada vez mais desgovernado), não controlamos as tragédias climáticas (porque já estragamos o mundo), então talvez seja bom sentir que temos controle sobre alguma coisa, nem que seja… Por uma gaveta.
Ah, Marie também fala com objetos e, antes de arrumar uma casa, ela se conecta, pede licença e agradece.
Minha amiga Eva vem em meu socorro de novo: "Li os livros e vi parte do programa. Os livros são melhores. Nos livros, você entende que agradecer tem a ver com certas culturas. Parece um pouco exótico conversar com a casa e com as coisas? Sim, mas para muitas culturas os objetos têm alma", ela me explica.
Entendi. E tentei. Eu juro.. Eu me ajoelhei no apartamento. O que senti foi tão absolutamente nada que achei mais sensato o desafio de "Bird Box" (aqueles em que as pessoas tentam andar com os olhos tampados)… Vai ver o problema está em mim…
Sobre a autora
Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.
Sobre o blog
Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.