Precisamos falar mais de mulheres como a primeira ministra da Nova Zelândia
Nina Lemos
26/03/2019 04h00
Ela tem 38 anos, um filho de um ano e tem gente dizendo que ela deve ganhar o Premio Nobel (o que concordo). Jacinda Ardern, a primeira ministra da Nova Zelândia, é uma das mulheres mais interessantes e poderosas do mundo atualmente. Desde que um ataque terrorista de extrema direita matou 50 mulçumanos no país, no dia 15, Jacinda está dando exemplo de liderança, empatia e força.
A novidade, que faz com que todo mundo olhe para ela como um exemplo, é que ela está na contramão de líderes que acham que violência se resolve com violência. Ela não fala em guerras, vingança, nada disso. Muito pelo contrário. Tem reagido ao ataque mostrando para o mundo que é possível tentar lidar com crimes de ódio sendo contra a violência de qualquer espécie e tendo empatia. Alguns dias após o ataque, ela anunciou que metralhadoras seriam banidas do país, que deveria investir cada vez mais no desarmamento.
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Sim, ela é uma mulher maravilhosa. E, com vergonha, assumo, até o ataque acontecer na Nova Zelândia, eu não sabia quem era ela. A gente perde tempo com detalhes de vidas de "princesas", sabemos tudo sobre Kate Middleton e Meghan Markle e não sabemos quem são as mulheres que são exemplos verdadeiros, que estão ali, mudando o mundo e balançando as estruturas (e não vivendo na sombra de homens ou famílias poderosas).
Por que a maioria de nós não prestava atenção a essa mulher incrível? Por que precisamos que um terrível ataque acontecesse para que a gente prestasse atenção nela?
Oras, porque fofocas sobre mulheres, roupas e detalhes sobre, por exemplo, brigas dentro da família real ainda chamam mais atenção nessa sociedade do espetáculo em que vivemos. Eu mesma, confesso, sei um monte de bobagens sobre celebridades, mas só fui saber quem era Marielle Franco depois que ela morreu. Triste, não?
Mas nunca é tarde para mudar. Então, vamos falar mais e mais sobre Jacinda.
A primeira ministra é a governante mais jovem do mundo (e foi mãe depois de assumir e, sim, tirou licença maternidade). Quando o massacre ocorreu, deu show de empatia (e também de poder). Isso para alguém que, quando foi eleita, em 2017, ouviu criticas do estilo: "ah, ela é bonita demais", ou "jovem demais". Como se isso fosse empecilho para ser uma grande líder.
Na sexta-feira, uma semana após o acidente, ela fez com que o país parasse por dois minutos para homenagear as vítimas e a oração mulçumana foi transmitida por todo o país, no radio e na TV. No fim de semana, ela anunciou também que dia 29, no próximo domingo, será o dia de lembrança das vítimas, e também que será criada uma investigação nacional para tentar descobrir se a polícia e os serviços secretos poderiam ter feito algo para evitar que o ataque acontecesse. Essa vai ser a maior investigação já feita na Nova Zelândia. No mesmo dia, sua imagem, usando um véu mulçumano, foi exibida no maior prédio do mundo, em Dubai.
Claro, não é fácil tomar atitudes como essa. Jacinda é adorada, mas também tem recebido inúmeras ameaças de morte de grupos extremistas e, lembrem, enfrentando gigantes como fabricantes de armas (um negócio para lá de vantajoso).
Um editorial do "New York Times" publicado na quinta-feria passada afirma que ela era "o tipo de liderança política que os Estados Unidos precisam." Vou além. Acho que o mundo precisa de mais Jacindas. E que, nós, mulheres, devemos falar mais sobre esses tipos de lideranças e espalhar seu exemplo. E, claro, fica a dica para todo o mundo. Em tempos de ódio, podemos lutar como uma Jacinda. Forte, mas sem perder a ternura.
Sobre a autora
Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.
Sobre o blog
Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.