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Não é só UTI: Alemanha faz o contrário do Brasil e é referência na pandemia

Nina Lemos

26/03/2020 04h00

Postdamerplatz, ponto turístico e comercial de Berlim, totalmente vazia

A Alemanha, onde moro há cinco anos, é o quinto país do mundo em número de infectados pelo Coronavírus. No momento, são mais de 35 mil casos confirmados. Atualmente, são registrados cerca de 4 mil novos casos por dia. Ao mesmo tempo, o país tem o menor número de mortos por infectados, o que intriga o mundo todo e faz do país um exemplo no tratamento do vírus. Ontem, eram 126 mortes,  enquanto países como a França, com cerca de 20 mil infectados, contabilizava cerca de mil mortes.

Qual o segredo da Alemanha? Bem, o sistema de saúde é muito bem equipado e tem pelo menos 58 mil leitos de UTI com ventiladores. Mas não é só isso.

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A Alemanha tem levado o vírus a sério. Mesmo. Em discurso emocionado feito em rede nacional  na quinta-feira da semana passada, a chanceler Angela Merkel avisou para a população que esse era o momento mais difícil pelo qual o país passava desde o fim da Segunda Guerra Mundial.  Estamos falando de um país que destruiu e foi destruído pela guerra. Essa comparação é muito forte e abalou todos que não viam o tamanho do problema, ou os que ainda pensavam que se tratava de "uma gripezinha".

Ou seja, a pandemia está sendo tratada da maneira oposta à proposta pelo presidente Jair Bolsonaro, que propôs ontem um "isolamento parcial", falando, entre outras coisas, que as escolas e o comércio deveriam ser reabertos e o país deveria voltar à "normalidade".

Estado de anormalidade

Aqui na Alemanha estamos longe do normal. E não sabemos quando a normalidade vai voltar. Todas as crianças estão sem aula desde o dia 14 de março e as escolas ficarão fechadas, a princípio, até meados de abril. O comércio está totalmente fechado — e sem previsão de reabrir. As únicas coisas abertas são supermercados e farmácias. Alguns restaurantes estão abertos, mas você só pode comprar a comida para levar para casa. 

O discurso emocionado de Merkel foi, em suas próprias palavras, "um apelo". Ficou claro que se as pessoas não obedecessem a auto-quarentena e evitassem o máximo possível de contato social, medidas mais sérias seriam tomadas. E foram. 

Depois de se reunir por teleconferência com primeiros-ministros de todos os estados, Merkel fez outro pronunciamento no domingo. Nesse, avisou que por duas semanas a Alemanha seguirá um pacote de leis chamado por aqui de "Kontaktverbot" (proibição de contato). 

O que existia de resto de vida normal acabou ali, quando soubemos, ouvindo a chanceler falar pela TV que:

  • As pessoas só podem sair sozinhas ou em dupla e, nesses casos, separadas por um metro e meio de distância, de preferência dois metros.
  • Devemos sair em situações específicas: para ir ao supermercado, farmácia, visitar parente em necessidade de urgência, ou caminhar e fazer esportes. Mas sozinhos e mantendo a distância social, isso é mais importante.
  • Para evitar que pessoas se locomovam pela cidade sem necessidade, todos os cidadãos têm que andar com documento de identidade e comprovante de residência. Podemos ser parados pela polícia e ter que explicar porque saímos.

Por que isso? Merkel explicou, pacientemente na TV, que tínhamos que achatar a curva de novos casos, para que a Alemanha, por mais bem preparada que fosse, desse vazão de todos os pacientes. Tem dado certo. Tanto que o país passou a dar atendimento também para alguns pacientes da Itália.

O "Kontaktverbot" organizou um pouco as coisas no único lugar onde vou a duas semanas, um mercadinho da esquina. Agora, marcas no chão indicam onde devemos ficar na fila do caixa, nos separando por um metro e meio. Dentro, também existem essas marcas para que as pessoas não se aproximem demais.

Passeando de carro pela cidade, olho em volta e acho que funcionou. Alguns ônibus circulam, mas praticamente vazios. Não me atrevi a entrar no metrô, nem pretendo. Mas segundo amigos com quem falei, os vagões estão praticamente vazios. 

Na rua, voltando da farmácia, observo que até na hora de parar na calçada para esperar o sinal ficar verde, as pessoas respeitam a distância. Ninguém fica colado em ninguém. 

Não tem nada, nada de normal nessa vida. Pelo contrário, cada dia ela fica mais anormal.

Hoje fiz uma "loucura": sentei sozinha em um banco no sol por alguns minutos. Inicialmente, a proibição de contato é por duas semanas, mas ela pode ser prorrogada (e deve ser). E, claro, medidas ainda mais restritivas podem ser adotadas. As medidas de proibição do contato, olhem só, foram aprovadas por 95% da população. A popularidade de Merkel nunca foi tão alta. 

Além disso, a Alemanha faz testes. Segundo o Ministério da Saúde, são mais de 160 mil testes por semana. Há algumas semanas, o processo era simples. Há duas semanas, uma amiga com sintomas de gripe ligou para a linha telefônica direta de informações sobre o coronavíus e contou sobre seus sintomas. Uma ambulância a pegou em casa, a levou para fazer o teste e trouxe de volta. Depois de uma semana ela teve o resultado, negativo.

Hoje, com o crescimento absurdo (esperamos estar perto do auge da epidemia) ficou mais complicado. Médicos só recomendam o teste para quem tem sintomas e já tenha tido contato com um caso confirmado. Outra amiga nessa situação fez o teste hoje. Esperou por cerca de uma hora em um dos ambulatórios habilitados e vai receber o resultado em cinco dias. 

Se estamos com medo? Sim, claro, como todos. É apavorante ver que o país teve mais de quatro mil casos confirmados em um dia. Chego do mercadinho e jogo todas as roupas na máquina. Minhas mãos estão descascando de tanto que lavo e no supermercado faltam produtos (principalmente papel higiênico e macarrão). 

Mas, mesmo assim, não dá desespero. Não nos sentimos em pânico porque confiamos no governo, que nos dá informações claras o tempo todo.

No domingo, Angela Merkel foi submetida ao teste por ter tido contato com um médico infectado. Segunda-feira soubemos que o primeiro resultado do teste foi negativo.  Mesmo assim, ela segue em quarentena.

Uma situação completamente diferente, em todos os aspectos, da que vemos no Brasil…

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Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.