Choque de realidade: quarentena faz homens valorizarem trabalho doméstico
Nina Lemos
21/04/2020 04h00
"Eu realmente não sabia que cuidar de toda a logística de uma casa era tão complicado", quem desabafa é o engenheiro Fábio de Morais, 43 anos. Fábio está tendo uma aula intensiva de tarefas domésticas nessa quarentena. Pela primeira vez, ele cuida da casa e dos dois filhos sozinho.
A experiência aconteceu no susto. Antes do fechamento do comércio e escolas ser decretado em São Paulo, sua esposa viajou para visitar os pais no Rio de Janeiro. Quando a OMS decretou pandemia mundial, ela tentou voltar, não conseguiu e achou mais seguro ficar com os pais. Resultado: Fábio está há cinco semanas fazendo home office, cuidando sozinho da casa e dos dois filhos, Dudu, de 15 anos, e Manu, de 10.
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"Temos uma faxineira que vinha duas vezes por semana e, claro, a dispensamos nesse período. Na primeira semana sem ela, fiquei em pânico. Agora criei um método e passei a dividir a tarefa com meus filhos, mas, claro, tenho que passar o dia todo insistindo para que eles façam.", conta.
Antes da quarentena, ele "ajudava" em casa. "Mas não tinha noção do quanto de trabalho que dava, por exemplo, pensar na alimentação saudável dos meus filhos. Isso, junto com lavar toda as roupas, guardar, eram coisas das quais eu realmente não tinha noção."
No momento, ele cozinha, lava, faz faxina e acompanha as tarefas de escola dos filhos. "Não tenho um minuto livre e passei a entender coisas que a minha mãe e a minha esposa sempre falaram, como: 'não deixa nada bagunçado', 'arruma isso agora'. Entendi que tem fazer na hora mesmo para não acumular e virar o caos."
O aprendizado, apesar de cansativo, está sendo produtivo. "Outro dia meu filho adolescente disse que agora entendia como o trabalho da faxineira era difícil. Tenho certeza que nós vamos sair dessa valorizando mais essas profissionais. Nunca tinha pensado que minha mulher tinha tanto trabalho para, por exemplo, pensar todos os dias em uma alimentação saudável para os meus filhos", diz.
No Brasil, o trabalho doméstico ainda é quase que uma exclusividade feminina, sejam esposas,mães, irmãs, filhas ou faxineiras. Mulheres, em geral, trabalham fora, voltam para casa, cuidam dos filhos, pensam na comida do dia seguinte, organizam a casa. Segundo dados do IBGE, mulheres que trabalham fora gastam 18,5 horas por semana com tarefas domésticas. No caso dos homens, o número é de 10, 3 horas.
As grande maioria das ajudantes também são mulheres. O Brasil tem 7,2 milhões de empregados domésticos, sendo 6,7 milhões de mulheres e 504 mil homens.
Fábio não é o único homem a se surpreender com quanto dá trabalho cuidar de uma casa. "É um absurdo como isso tudo sempre sobra para cima das mulheres", diz o jornalista Álvaro Leme, de 42 anos Há algumas semanas fazendo home office com o marido em casa, sem faxineira, que eles dispensaram (e continuaram pagando), percebeu o quanto sua mãe e outras mulheres da família sempre foram sobrecarregadas. "Fiquei meio culpado, achando que eu deveria ter sido mais organizado quando morava com elas", disse.
A sensação fez com que ele postasse no Facebook uma desculpa para as mulheres:
"O isolamento social me fez ver QUANTO TRABALHO as tarefas de casa representam. E quantas mulheres ao meu redor sempre cuidaram dele por mim, a minha vida inteira. Perdão, mãe, irmãs e faxineiras por nunca ter me dado conta disso antes. Companheiros homens, abram o olho e valorizem! Mas não só: botem a mão na massa também!", postou na rede social.
"No meu caso, como sou gay, acho que fica mais equilibrado, eu e meu marido dividimos tudo, mas sei que para minhas amigas é ainda mais complicado."
No dia-a-dia pré-quarentena eles contavam com a ajuda de uma faxineira uma vez por semana e, por trabalharem muito, mal paravam em casa. "Agora estamos os dois em casa o dia inteiro, então, o trabalho não para. Almoçamos e jantamos em casa. É louça, roupa para lavar. E, como ficamos muito em casa temos mais coisa para fazer", diz.
Álvaro considera o aprendizado positivo e espera que mais homens percebam o quanto o trabalho doméstico é importante e cansativo.
Nós esperamos o mesmo.
Sobre a autora
Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.
Sobre o blog
Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.