Marília Mendonça criticada por transfobia. O que podemos aprender com isso?
Nina Lemos
10/08/2020 13h20
Reprodução
O Brasil é o país que mais mata transsexuais e travestis no mundo. Os dados são de pesquisa feita pela organização européia "Transgender Europe". Ano passado, 124 pessoas foram mortas por serem travestis ou transexuais no Brasil, segundo relatório da Associação de Travestis e Transexuais (Antra).
Dito isso, fica óbvio que a transfobia (preconceito contra travestis e trans) precisa ser combatida. E, claro, fazer piada com essas pessoas, além de ser sem graça, é ofensivo. E é também algo perigoso, que aumenta o ódio e com isso a violência contra essa população.
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Na manhã desta segunda feira, a cantora Marília Mendonça passou a receber milhares de críticas. Seu nome foi parar nos Trend Topics do Twitter como "Marília transfóbica". Motivo: durante uma live para mais de 3 milhões de pessoas, a cantora soltou uma piada onde citava uma boate LGBTQ+ de Goiânia e falava sobre um amigo que tinha ficado com uma "mulher linda", mas dava a entender que ela "não era mulher de verdade", o que foi confirmado por um dos seus companheiros de banda. Os presentes gargalharam.
Esse tipo de piada pode parecer boba. Quantas vezes não ouvimos esse tipo de coisa? Mas, bem, a gente tem informação suficiente hoje para saber que isso: 1. Não é engraçado. 2. É ofensivo. 3. É perigoso.
Pode ter sido um vacilo dela? Pode, mas o que essa piada diz sobre ela? A cantora ainda não conseguiu entender que isso não é engraçado? Na manhã de segunda, ela se desculpou: "pessoal, aceito que fiz piada e preciso melhorar. Mil perdões. De todo o coração. Aprenderei com os meus erros. Não me justificarei."
Acho, sim, que ela pode aprender. Nunca fiz piada com pessoas trans. Mas já devo ter dado risada de algumas. Só que a gente aprende sim, vê o quanto isso é ofensivo e para. Nas redes, fãs de Marília transsexuais (e não só eles) manifestavam profunda decepção.
"Eu sou uma mulher trans e não sou uma piada", comentou a cantora Danny Bond. A modelo Bruna Andrade fez um vídeo onde dizia ser fã de Marília estar muito decepcionada.
"Eles estavam debochando de uma menina trans. Fiquei me perguntando, qual é a graça? Qual a graça de uma menina se relacionar com uma menina trans? …Foi muito duro para mim ver que qualquer cara que demonstra carinho por mim é chacota. Eu sou chacota?"
Marília tem a chance (e dever) de ouvir essas palavras que fazem todo o sentido. Como ela mesmo disse, ela pode aprender com o erro. E nós todos também podemos aproveitar esse acontecimento para lembrar que esse tipo de piada não tem graça, é ofensiva. Se alguém fizer uma perto de nós, temos a obrigação de falar para a pessoa parar e manifestar nosso desconforto.
Confissão: por boa parte da minha vida ouvi piadas machistas (sim, alguns homens, quando acham que a gente é "brother" contam essas coisas na nossa frente!) e homofóbicas sem falar nada, mas me sentindo bem mal. Aprendi com o tempo que não devo deixar passar. Não só porque isso é o "correto", mas porque deixar passar coisas que a gente despreza fazem muito mal para a gente.
Sobre a autora
Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.
Sobre o blog
Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.