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Nina Lemos

Internet completa 30 anos e a gente tá como? Com overdose da rede

Nina Lemos

15/03/2019 04h00

Foto: Getty Images

Uma vez contei para a minha afilhada, então com cinco anos, que, quando eu era criança (e adolescente), não tinha internet. Ela arregalou os olhos e disse: "E roupa? Tinha?"

Sim, tinha roupa. Mas não tinha rede social. Nem Google. Eu lembro. A internet mudou nossas vidas, sim, para melhor. E, essa semana, são comemorados os 30 anos da rede (da criação. No Brasil, ela só chegou mesmo no início dos anos 90, e lentamente).

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Mas o que vejo, olhando ao meu redor, quando se "comemora" o aniversário da rede? Pessoas em crise com a internet.

Não foi só Bruna Marquezine que desativou seu perfil no Instagram –e não aguentou e já ativou de novo. Cada vez mais vejo amigos tentando arrumar maneiras de fugir da internet. Como somos extremamente viciados, temos que arrumar truques.

"Saí da internet no dia em que a Internet completou 30 anos", postou minha amiga Eva Uviedo, a pessoa que mais entende de internet que eu conheço. Ela, como a maioria das pessoas que eu me relaciono, NÃO AGUENTA MAIS. Estamos perto de uma overdose e tentamos nos salvar. No caso, ela está tentando diminuir o uso.

Por que? Ora, desde a criação do 3G, não desligamos um minuto. E como a realidade anda difícil, passamos, às vezes, 15, 17 horas ligados nas notícias, brigando, entrando em polêmicas. Tudo isso enquanto trabalhamos, pegamos o ônibus, esperamos na fila do supermercado. É desesperador.

Viva o bug do instagram!

Engraçado que logo ontem, na semana do aniversário de 30 anos da internet, o Facebook e o Instagram (que é onde passamos a maior parte do tempo na rede) teve o maior bug da sua história. Por mais de 12 horas, a maioria de nós não conseguiu postar nada. O Instagram não carregava. O que eu (e sei que muita gente) sentiu quando soube que as redes estavam fora do ar? ALÍVIO.

Eu sempre tive essa fantasia de que um dia o Facebook poderia sair do ar e nunca mais voltar. Isso faria nossas vidas diferentes, teríamos que falar mais ao vivo com as pessoas, eu voltaria a ler mais livros, os grupos de ódio desapareceriam. Não ficaríamos olhando para o Instagram por horas sentindo que nossas vidas não são perfeitas. Seria bom, por vários lados. E, garanto, nas 12 horas em que as redes ficaram fora do ar, ninguém que eu conheça morreu de crise de abstinência.

Será que precisamos que a internet seja hackeada, que aconteça uma grande tragédia, para quem a gente se salve? Chegamos nesse ponto?

Não adianta falar: "ah, desliga, tem porque quer". Somos viciados (jura que você não é?). Um estudo feito pela Universidade de Michigan, ano passado, compara a dificuldade de "largar a rede" com a adição de drogas como cocaína e crack.

E nada disso é por acaso: redes sociais, aplicativos e algorítmos foram feitos com a intenção de nos viciar. Deu certo. Agora, de tão viciados, tememos uma overdose.

Além de não conseguirmos desligar e sermos viciados terminais, acho que, como seres humanos, temos falhas. E, ao invés de usarmos a internet para melhorá-las, usamos, muitas vezes, para piorá-las.

A internet potencializa muitos dos lados horríveis do ser humano: somos invejosos ou gostamos de causar inveja, somos agressivos, adoramos brigar por qualquer motivo e, claro, somos fáceis de "pegar vício". E também somos fofoqueiros, claro. Só que o poder das fake news é tipo um milhão de vezes ampliado.

Uma fofoca publicada na rede pode, rapidamente, virar verdade absoluta. Fora isso, nos deparamos o tempo todo como lados odiosos dos seres humanos, como pessoas comemorando mortes de outras, fotos de gente quebrando uma placa com o nome de Marielle Franco, e por aí vai.

Medo.

Ela é do tempo do dicionário

Falo isso, e reclamo, como pessoa que brinca que "tudo que tem, conseguiu na internet". Casei com alguém que conheci na internet. Trabalho há 20 anos escrevendo para a Internet e… eu já fui jornalista antes da internet. Vocês conseguem imaginar isso?

Não tinha Google nem nenhum buscador, nada. A gente olhava em enciclopédias, arquivos de jornais e usávamos o dicionário. Quando comecei a trabalhar na Folha, no início dos anos 90, sempre tínhamos um dicionário por perto. E, quando queríamos fazer uma pesquisa, íamos até um arquivo, que ficava em outro andar.

Fui adolescente em uma época em que, para dar uma festa, a gente precisava convidar as pessoas pessoalmente ou por telefone. Não sabíamos antes quem "tinha confirmado". Para conversar, pegávamos o telefone (fixo, em casa). Se necessário, usávamos orelhão. Era muito diferente, mas sobrevivemos.

Se precisamos desligar a internet do mundo? Não (mas confesso que, às vezes, acho que sim, seria um intervalo necessário). Mas acho que precisamos mesmo é tentar fazer o impossível: "largar aos poucos" e usar de forma menos doentia.

Não durmo mais com o celular na cama, por exemplo. Isso já é um avanço. E tento, sim, sair cada vez mais sem celular.

Alguns amigos estão desligando o 3G. É uma boa. Talvez a gente volte a usar aqueles celulares antigos que abriam uma tampinha. Essa é, inclusive, uma das tendências apontadas por especialistas em tecnologia.

Conclusão: nesses 30 anos, a gente se lambuzou. Agora, respirando por aparelhos, precisamos dar alguns passos atrás. Vai dar trabalho… Mas para quem fez todos os trabalhos de faculdade sem Google, minha geração avisa: qualquer coisa é possível…

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.