Topo

Nina Lemos

Caso Anitta: nós, brancos, precisamos melhorar urgentemente

Nina Lemos

13/03/2019 04h00

 

 

Daniel Pinheiro/ Agnews

"Os outros brancos poderiam nos ajudar a parar de passar vergonha", minha amiga Jô comentou isso comigo quando eu disse para ela que a Gucci tinha feito um anúncio com black face. Sim, nós sabemos que também temos o racismo dentro da gente, mas a gente tenta se desconstruir.

Isso é um trabalho diário. Nem sempre acertamos. Tomamos umas broncas de amigas, aprendemos, erramos. Assim é a vida.

Veja também

Lembrei da frase da Jô vendo o que aconteceu no bloco da Anitta, no ultimo sábado. A cantora, para quem não sabe, está sendo acusada de racismo porque fez o seguinte: em seu bloco de Carnaval, o Trio das Poderosas, no sábado, avistou uma confusão. O que fez? Apontou e disse: "Alô, polícia. Tem um ladrãozinho aqui no meio. O último que veio aqui para roubar se lascou. Nasci pobre, estou aqui ralando. Ninguém precisa tirar nada de ninguém!", disse ela.  Verdade. Ninguém pode roubar ninguém,

Mas só que o cara que foi preso, negro, não era culpado. Foi, inclusive, logo liberado pela polícia. O caso virou polêmica, claro, e Anitta foi chamada de racista.

Segundo uma testemunha, a jornalista e ativista Lola Carvalho, que estava lá, o sujeito já estaria rendido pelas seguranças quando Anitta chamou a polícia. No caso, teria sido apontado como ladrão por foliões. Mas, resultado, ele foi preso, foi chamado de ladrãozinho, humilhado. E a polícia descobriu que ele era… inocente. Um caso comum no Brasil.

Anitta não parece ter sido mesmo mal intencionada, talvez ela tenha apenas chamado porque viu uma confusão mesmo. No Twitter, ela diz isso. "Galera que pergunta sobre sábado. As pessoas no chão estavam pedindo para eu avisar a polícia que tinha um ladrão no meio do público. E foi isso o que eu fiz. A visão de cima, por mais que seja ampla, não é suficiente para eu ver com detalhes o que se passa na multidão."

Pelo jeito, Anitta foi na onda. Como nós, brancos, vamos muitas vezes. Um falou ladrão, o outro repetiu, pronto, um inocente foi preso.

Cara gente branca

Mas, ei, vamos lembrar: há menos de um mês um jovem negro foi MORTO por um segurança de supermercado depois de levar uma gravata. Morto. Precisamos estar atentos.

O caso da Anitta no bloco me fez lembrar também de um episódio da primeira temporada do seriado  "Cara gente branca". A personagem principal (Sam White) namora um branco sensível, que tenta se desconstruir. Bem, em uma festa, rola uma briga, ele chama a polícia. O que a polícia faz? Prende um negro, claro. No episódio, a comunidade negra fica chocada: "mas como assim alguém chamou a polícia?" Me identifiquei com ele. Apavorada, eu poderia fazer o mesmo, sim. Na cabeça dos estudantes negros já estava claro: se chamar a polícia, um negro vai acabar sendo preso.

É triste, é absurdo. Mas ainda é a realidade de países como o Brasil e nos Estados Unidos ( segundo o Mapa da Violência apresentado em 2018, a cada 23 minutos um jovem negro é morto no Brasil).

A mesma mentalidade que levou Anitta e os foliões do bloco a apontarem para um negro chamando de "ladrãozinho" foi repetida no BBB: uma das sisters, narrando um caso de assassinato, disse: "e o cara , era branco, parecia até canadense. Espantada."

Caros colegas brancos, vamos ficar atentos. Ouvir o que os negros têm para dizer. Deixar que nosso racismo seja apontado (não que seja fácil).

Mas pensar mil vezes antes de, por instinto, apontar o dedo e chamar alguém de ladrãozinho, ou falar que nossa, ele nem parecia ladrão, era branco.

A gente consegue. Não é possível que não.

 

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.