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Nina Lemos

"Cercas de doações" na Europa ajudam carentes em tempos de Coronavírus

Nina Lemos

23/04/2020 04h00

Nina Lemos

Duas vezes por semana, quando sai para ir ao supermercado, Marc Haiss muda um pouco a sua rota e para em uma praça perto da sua casa, em Berlim. Em frente a uma cerca, onde sacolas e cartazes estão pendurados, ele abaixa e prepara alguns sacos de lanches, que pendura na cerca. Cada saco tem uma maçã, água, um sanduíche de salame e um chocolate. Ele é um dos responsáveis por um dos "Gabenzaun" ("cerca de doações", em tradução livre) de Schoneberg, bairro na capital da Alemanha. "Acho legal que sempre que venho aqui tem alguém me esperando. Eles sabem que na hora do almoço sempre aparece um doador."

As cercas com sacolas penduradas começaram a aparecer na Alemanha no início da crise do Coronavírus. A ideia se espalhou e inspirou outras iniciativas. As fotos de cercas cheias de sacolas como exemplo de ajuda e solidariedade  se reproduzem no mundo todo. 

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A ideia não é nada complicada. Alguns locais nas cidades são escolhidos e divulgados. Ali, cartazes convidam os sem teto a se servirem. Vizinhos podem passar e deixar suas doações anônimas penduradas. No dia em que visitei dois varais, havia sacolas com frutas, pão e chocolate, roupas, materiais de higiene e sacos dirigidos para mulheres, com absorventes. Algumas pessoas escrevem o conteúdo. Penduram. E pronto.

A iniciativa surgiu em Hamburgo e se espalhou. São mais de cem só na Alemanha. Todas as cercas são catalogadas em um site, assim, você pode encontrar informações da mais próxima de sua casa e também sobre doação e também instruções para montar uma cerca em sua cidade ou seu bairro.

"Faço parte de um grupo de seis pessoas que tenta fazer algumas coisas na vizinhança. Montamos o mural. Não é nada demais, com 20 euros (cerca de 100 reais) já posso ajudar as pessoas",  diz Marc.  A iniciativa está dando muito certo.  Enquanto conversamos , dois rapazes aparecem para pegar as doações. "Tem tomate?", um pergunta. "Não, só temos coisas que duram mais tempo, não podemos colocar verduras", ele explica. O sujeito sai feliz com um das sacolas com o lanche preparado por ele. 

"Agora, por causa do isolamento, os principais centros de ajuda e escritórios do governo estão fechados. Por isso, decidimos fazer nós mesmos", diz Marc. O governo de Berlim, segundo ele, já demonstrou vontade de ajudar o projeto. "Mas é um caminho longo, muita burocracia. Em uma crise como a que estamos vivendo não dá para esperar, tem que agir." 

 

A inciativa é focada principalmente em ajudar os sem-teto. Com a cidade fechada, eles não têm onde pedir dinheiro e encontrar outras maneiras de sobreviver, como receber doações de restaurantes. Na Alemanha muitas pessoas em situação de rua vivem de coletar garrafas na rua e trocá-las por comida ou dinheiro em supermercados. Esse ganha-pão, com a cidade vazia, desapareceu.

Em cada mural, está escrito que as doações são dirigidas aos sem-teto e que as outras pessoas devem respeitar isso. Não, a Alemanha não perfeita e já existem casos de cercas vandalizadas, apesar disso ser minoria. 

Quando fotos dos varais começaram a circular na Internet, vi alguns comentários do tipo: "Ah, mas no Brasil não funcionaria". Quem disse? Acho que funcionaria sim. Muitas pessoas em todo o Brasil tem participados de projetos incríveis para ajudar quem precisa em tempos de pandemia.

A cerca de donativos  é mais uma ideia.  Basta ter uma cerca, alguma organização (um grupo deve ser responsável por não deixar a cerca vazia, afinal, tem gente que conta com isso) boa vontade e desejo de ajudar. Que tal?

Sobre a autora

Nina Lemos é jornalista e escritora, tem 46 anos e mora em Berlim. É feminista das antigas e uma das criadoras do 02 Neurônio, que lançou cinco livros e teve um site no UOL no começo de 2000. Foi colunista da Folha de S. Paulo, repórter especial da revista Tpm e blogueira do Estadão e do Yahoo. Escreveu também o romance “A Ditadura da Moda”.

Sobre o blog

Um espaço para falar sobre a vida das mulheres com mais de 40 anos, comportamento, relacionamentos, moda. E também para quebrar preconceitos, criticar e rir desse mundo louco.